quinta-feira, 7 de junho de 2007

O "novo" ECD

Estatuto da Carreira Docente:
ou de como se combinam a Ficção Científica, a Revolução Cultural Chinesa e a “Metamorfose” de Kafka


O novo Estatuto da Carreira Docente que é na globalidade um documento medíocre e penalizador dos profissionais da educação, representando um claro retrocesso nas relações laborais em Portugal com um sector de actividade, os professores, a verem-se subitamente transformados no único bode expiatório do alegado falhanço de todo um Sistema Educativo em permanente instabilidade, ao sabor de ventos e marés de variadíssimas etiologias, sem que nunca se consiga a tranquilidade necessária à prossecução dos seus objectivos e sem que as verdadeiras responsabilidades quanto a isso tenham sido alguma vez, de facto, apuradas e veja-se a lista de inúmeras e recorrentes peripécias relativas a Programas, Exames, Concursos, etc., etc., etc.. No entanto, há situações particulares da sua regulamentação que não apenas raiam, mas penetram fortemente na esfera do absurdo. Tudo daria vontade de rir se não tivesse gravíssimas consequências na vida de milhares e milhares de cidadãos que os professores também são, apesar dessa condição lhes ter vindo a ser, na prática, retirada um pouco todos os dias.
Refiro-me concretamente à separação da Carreira entre duas categorias hierarquizadas, a de Professor e a de Professor Titular. Para além da bizarria do título, algo incongruente com a feição republicana do Estado, (que isto da linguagem também manifesta latências inconfessadas). A proposta de Concurso para acesso a essa nova categoria apresentada pelo Ministério da Educação em grelha com itens pontuáveis, só pode ter sido concebida sob três influências estilísticas concomitantes:

- Primeiro: Ficção Científica – de facto, é preciso lembrarmo-nos das novelas dos velhos mestres deste género Philip K. Dick, Simak, Heinlein, Le Guinn e outros, para que possamos entender a natureza do buraco negro legislativo que absorve e “engole” por completo, pelo menos, 30 anos de existência nacional, em que houve leis que legitimamente estiveram em vigor e foram da responsabilidade de órgãos de soberania legitimamente constituídos, pois Portugal vive desde 1976 sob um regime constitucional e tem tido Assembleias da República eleitas, Governos nela sufragados, Presidentes da República eleitos e empossados, Tribunal Constitucional em exercício e, consequentemente, equipas governativas na Educação, com Ministros, Secretários de Estado etc., que, ao que parece, nunca terão existido, pois as propostas de avaliação do desempenho dos professores dos 8º, 9º e 10º escalões ( aqueles que têm mais do que 18 anos de serviço, alguns muito mais), elide completamente o tempo anterior a 1999-2000, como se Portugal se tivesse constituído agora e as suas remotas raízes remontassem de há 8 anos atrás.
Pergunta-se se terão de facto existido todos os anos anteriores, ou terá sido apenas uma ilusão induzida por algum génio maligno, daqueles a que Descartes faz referência.

- Segundo: Revolução Cultural Chinesa – até ao presente este tenebroso episódio da história contemporânea tem sido o paradigma da tábua rasa acima referida e, até ao presente Estatuto da Carreira Docente, terá sido a única situação em que e para usar a linguagem metafórica predilecta da equipa ministerial, “ generais”, vão passar da noite para o dia a “recrutas” e
“ catedráticos”, a “caloiros”, tal vai ser o absurdo da situação que irá conduzir a que milhares e milhares de professores de uma geração que deu Tudo ao Sistema e nas condições que se conhecem, com a casa permanentemente às costas, etc., etc., venham a ser objectivamente despromovidos, pela aplicação de critérios retroactivos completamente desconhecidos e impossíveis de conhecer a não ser para quem é bruxo ou bruxa . Num estado de direito como de Portugal se diz que é, o princípio da boa fé deve nortear a prática das instituições públicas e são imorais e anti‑jurídicas as práticas legislativas que o contrariem, o Estado deve ser uma pessoa de bem e, por isso, os seus representantes devem portar-se como tal . É então absurdo que dezenas de milhares de profissionais venham a ser avaliados e classificados por critérios que não poderiam conhecer pois, pura e simplesmente, NÃO EXISTIAM e os que existiam foram, pela esmagadora maioria, plenamente cumpridos, como não poderia deixar de ser. Lembremo-nos que foram as instituições (Ministros que propuseram, Governos que aprovaram, Assembleias da República que legislaram, Presidentes da República que promulgaram e Tribunais Constitucionais que os verificaram! ) e não terão sido, certamente, os professores que os estabeleceram. Portugal não esteve propriamente “ sem rei, nem roque” nos últimos 30 anos e a ter estado, haverá toda uma cadeia de responsabilidades e de legitimidade constitucional e democrática que, na prática, está a ser completamente descartada com a aparente complacência dos órgãos de soberania co‑responsáveis.
Pergunta-se : Será que houve alguma ruptura constitucional? Uma Revolução, um Golpe de Estado ou qualquer coisa desse género? Não tendo havido, pelo menos, de maneira explícita, não se entende como se poderão mudar as regras estruturais a meio de tão longo jogo. E repare-se que não estou a referir-me a expectativas, como a idade de reforma ou assim; estou a referir-me a situações concretas e definidas estatutariamente que agora são subvertidas de forma perfeitamente inusitada e casuística, sem qualquer fundamento de natureza legal que, pelo menos, se coadune com a representação que em geral os cidadãos devem ter de um Estado de Direito; de facto, só personagens como as do famigerado
“ Bando dos Quatro” e quejandos, poderiam ter congeminado esta situação.

- Terceiro: a “Metamorfose” de Kafka: Franz Kafka é um dos maiores génios do absurdo realista e concerteza que muitos de nós se recordam da sua novela “ Metamorfose”, em que o personagem principal acorda transformado num insecto tipo carocha que se encontra deitado de barriga para cima e não consegue virar-se. Eis o que está no presente transe a acontecer aos professores : subitamente e numa situação nada ficcional
( tal como as de Kafka , aliás), vêm-se confrontados com o pavor de um conjunto de medidas que não podiam sequer ter adivinhado, e que alteram substancialmente para pior as condições do seu desempenho, da sua carreira, em suma, da sua VIDA.
Uma palavra importante para os sindicatos: se esta disposição terrorista do Ministério da Educação passar, é bom que pensem seriamente em reconverter-se em outra coisa qualquer e mudar de actividade, pois a sua existência deixará de fazer qualquer sentido sério e passará a ser meramente folclórica; nunca desde que me conheço a série negra de derrotas foi de tão aterradora dimensão perante a impotência do movimento sindical de que é exemplo o recente conselho dado por um dirigente da FENPROF dos mais activos e habitualmente combativos, e refiro-me a Mário Nogueira, que declarou à Comunicação Social que os professores dos referidos escalões deveriam concorrer todos a Titulares para “ inundar o Ministério de candidaturas!” ; se isto é resposta, e se ficarmos por aqui, para além das já tradicionais e pelos vistos infrutíferas “inundações de rua” (manifestações), greves, abaixo-assinados e algum folclorismo carnavalesco relativo a situações que não são, de modo algum, para brincadeiras, mais valerá dizer como a minha avó: - “ Está bem, sim Rosa!!! “

Post Scriptum 1: os Sindicatos, nomeadamente os da FENPROF como o SPGL, têm dezenas de milhares de sócios a quem são descontadas automaticamente quotas de valor relevante e possuem relativamente significativos Serviços Jurídicos; Ora, sendo estas medidas e estes critérios de legalidade e de constitucionalidade mais do que duvidosa, pois se trata de disposições com efectiva retroactividade que não respeitam o princípio da boa fé, para além da sua flagrante imoralidade , sugiro que urgentemente os encarreguem da contestação em todas as instâncias possíveis desta total e completa iniquidade legislativa.

Post Scriptum 2: Esta questão do E.C.D. e da sua regulamentação está inquinada desde o princípio, como penso ter demonstrado em relação aos critérios para acesso à Carreira de Professor Titular uma vez que os já tornados públicos não podiam ser do conhecimento dos professores, há 30, há 20, há 10 anos ou até mesmo, há seis meses, visto que a legislação em vigor sob a qual foi contratualizado o exercício profissional dos docentes não os incluía, nem sequer os indiciava; por aí se demonstra à saciedade que não se pode ser avaliado ou classificado por critérios que não existiam .
A reiterada, obstinada e obsessiva insistência da equipa dirigente do M.E. nesta aberrante monstruosidade, demonstra uma por demais evidente falta de cultura democrática e até, de Cultura “tout court”. A Sr.ª Ministra que é socióloga de formação, apesar de o não parecer e costuma acusar as Escolas de “anomia”, está a contribuir fortemente para que a anomia total se instale. Costuma também a Sr.ª Ministra “ encher a boca” com a necessidade absoluta de promover “os professores que dão aulas” e, se por absurdo, aceitássemos discutir aberrações como a de se classificarem pessoas pelo seu desempenho pretérito baseado em critérios então inexistentes, ainda assim teríamos que denunciar a incongruência entre o discurso da Sr.ª Ministra ( o tal dos “ professores que dão aulas”) e o texto da “ proposta” que vem apresentar para o acesso à categoria de Professor Titular, onde conta tudo, menos “ dar aulas”, ou seja, todos os cargos de natureza burocrática são pontuáveis e a prática lectiva fica a zero ( zero mesmo !...). Ainda por cima, sabendo como sabe quem está no “métier” que os cargos que se pretende valorizar são desempenhados, em regra, através de um sistema de cooptação só acessível a poucos e invariavelmente os mesmos dentro de cada Escola, o que justifica o provérbio de que “mais vale cair em graça do que ser engraçado” e o mais engraçado de tudo é que ainda que assim não fosse e devendo ser os tais cargos de desempenho rotativo, certamente que para que todos os desempenhassem levaria mais do que os 7 anos que se pretende que contem para o Concurso, o que implica que seja literalmente
“ deitado ao lixo” todo o tempo e Carreira em que os docentes fizeram tudo o que lhes foi exigido e em inúmeros casos, muito mais. É claro que só se fossemos ingénuos acreditaríamos na bondade destas disposições e é claro também, que se trata de uma forma grosseira de limitar o acesso da maioria dos professores a um novo topo de Carreira e de despromover, cinicamente, até os que já lá se encontravam.
Trata-se obviamente de “ um fato por medida” para que sirva a quem já se encontra nos órgãos dirigentes das Escolas e a quem em seu redor orbita e só assim se explica o entusiasmo do cavalheiro que até nem se esqueceu de levar uma gravata cor-de-rosa para o programa “Prós e Prós” sobre Educação com que a “independente” RTP nos brindou há uns tempos.

Post Scriptum 3: É óbvio que este Governo utiliza, ainda que de forma canhestra, apesar de dever ter encargos vultuosos para remunerar “ spin doctors”, as velhas e relhas tácticas do “ salame” e da “gangrena”.
A primeira consiste em cortar a sociedade às fatias e tentar “ comê-las” uma por uma e veja-se: começou nos juízes e nos seus “ privilégios”, passou pelos polícias, deu a volta aos militares, derivou para os médicos e enfermeiros para acabar e se fixar nos professores, “esses malandros!”
A segunda consiste em diagnosticar “gangrena” que implique a amputação da perna, por exemplo, e perante os rogos aflitivos do “ doente” chegar à conclusão que afinal, é só preciso “ amputar o pé”, ao que o “doente” aliviado, irá exclamar: “Obrigado, Senhor Doutor! ” Só que como se costuma dizer, o livro que andam a ler não foram eles que o escreveram e a tradução que consultaram é péssima; pensam ter inventado a pólvora mas de facto foram os chineses a quem até, inclusivamente, já tentaram vender mão de obra barata; talvez estejam a pensar nos professores que vão passar a “disponíveis”!

Post Scriptum 4: Por falar em Bando dos Quatro, na China há “um país, dois sistemas”. Em Portugal, será “um país, três sistemas”: uma vez que há um Estatuto da Carreira Docente para o Continente, este que agora foi promulgado e outros dois, um para cada Região Autónoma. Um para a Madeira, ligeira mas “benevolamente” revisto e outro para os Açores, que é precisamente o mesmo que antes vigorava para todo o território nacional.




Março de 2007

António José Carvalho Ferreira, Professor (desde 1976-77),
Sócio do SPGL (desde 1977),
Membro da Assembleia Municipal do Barreiro (desde 1989),
Co-fundador da Secção do Barreiro do Partido Socialista (em 29 de Abril de 1974)

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Humanos: Conceito e Realidade

A leitura da obra de John Gray " Sobre Humanos e Outros Animais" ( Lx. Fev/ 07), Trad. Port. por Miguel Serras Pereira Ed. Lua de Papel ( Straw Dogs: Thoughts on Humans and Other Animals), constitui um dos mais inquietantes e, na minha opinião, aterradores libelos contra o humanismo nas suas mais variadas versões e até disfarces.
Na verdade, não há quase ninguém que seja poupado pelo autor, incluíndo Nietzsche e Heidegger ( por ele considerados imagine-se, humanistas, ainda que em desespero de causa). Um dos poucos que ainda se "safa" é Schopenhauer afinal o grande presciente que conseguiu entrever o descalabro do humanismo por ter sido um dos primeiros intelectuais europeus versado em pensamento oriental ( budismo, taoísmo, xintoísmo) e assim , teria compreendido as bases erróneas em que este assenta.
Socorre-se ainda da Hipótese Gaia de Lovelock e Margulis que considera a Terra um todo orgânico e auto-regulado, de tal modo que a humanidade não passaria de uma "praga" ( a primatemaia disseminada) que de modo algum terá capacidade possível para destruír o seu hospedeiro ( a Terra) pelo contrário, esta terá toda a capacidade para se curar dessa doença, através do decréscimo populacional que seria uma forma de controlo de pragas.
Esse decréscimo populacional pode ser auto-induzido de várias maneiras, a mais comum será o stress e não me refiro apenas ao stress psicológico, que é uma mera manifestação do stress tout-court, que consiste num enfraquecimento da vitalidade desencadeado pelo excesso populacional. Assim e apesar do autor também criticar Hegel, o ecossistema Terra seria dominado por uma espécie de Astúcia da Razão em que sintomas considerados como artificiais, o aquecimento global por exemplo, não passam de instrumentos de auto-regulação natural, que põe o homem com comportamentos auto-destrutivos ao nível do suicídio das baleias ou da agressividade dos ratos em circunstâncias de penúria de espaço vital ( mas isso já os teóricos neo-liberais da gestão andam a dizer há anos, vide o best-seller " Quem Mexeu no Meu Queijo ?").
( Leiam também a brilhante resposta: " Fui Eu Que Mexi no teu Queijo!")
No fundo, nada há na humanidade que seja própria ou exclusivamente humano, como os humanistas em geral gostam de pensar e que afinal não passaria de um whishfull thinking. Esta ideia até que nem é nova, basta que nos lembremos do Desmond Morris do fim dos anos 60 e dos seus " Macaco Nu" e " Zoo Humano" , até aos mais recentes socio-biologistas que se encarniçam na dura tarefa de mandar o Edgar Morin, entre outros, " às malvas", ou como dizia a minha avó, muito recentemente falecida " à mulher da fava, enquanto a ervilha não enche". Por isso, não há brechas nem fendas que resistam e a cultura é uma mera manifestação da natureza, sendo Nova York tão natural como a Amazónia ( imagino que esta ideia terá muitos detractores) e a internet tão natural como as teias de aranha ( esta, imagino, já será em certos ambientes, mais simpática).
A base oracular de Gray é uma espécie de simbiose entre a biologia ecossistémica heterodoxa ( Lovelock/Margulis), um darwinismo proclamado como não antropocêntrico, uma vez que o autor acusa o darwinismo ortodoxo de o ser, e uma influência filosófica orientalista( zen-taoísta) e schopenhaueriana.
Por falar em Schopenhauer, passemos do hardware ao software, ou seja, do real à representação: aqui, também o autor, apesar de criticar o Kant da moral, rende homenagem ao Kant da gnosiologia aliás, como fez Schopenhauer - afinal, o real conhecido será, certamente, um real representado; só que Gray neste pequeno livro vai muito mais longe ( qual Berkeley qual quê !),uma vez que a realidade em si, pode perfeitamente não passar de uma ilusão e aqui o erro de Descartes teria sido realmente enorme e não aquele que Damásio identifica.
Uma outra personalidade poupada é David Hume por ter considerado o real empírico o único, e ainda assim, provisório, ou seja, um real meramente psicológico - o que acordou o homem de Königsberg do seu sono dogmático, em que ele terá caído de novo, talvez pela dimensão utópica de uma Paz Perpétua que o douto Cerqueira não estaria sozinho ao considerar como antecâmara do " eterno descanso".
Portanto, senhoras e senhores, caríssimos colegas: nem sujeito, nem indivíduo, nem humanidade, nem nada que se pareça com especificidade de qualquer tipo, apenas uma estratégia desenhada pelas bactérias de que cada um de nós e todos somos meras colónias, por elas desenhada há muitos milhões de anos.
Confesso que ao ler esta obra me apeteceu saír de gatas e de folha de alface na boca, para me ir juntar à colmeia de térmitas, que afinal de contas é o que todos somos: o mais temível dos predadores; e lá nisso o homem tem razão.
Também me apeteceu escrever a " Metamorfose" ao contrário, como uma espécie de Kafka dos insectos.
E não pude deixar de reflectir nas palavras de Hannah Arendt sobre o behaviorismo: " o problema não é que esteja errado, o problema é que possa estar certo".
Post Scriptum: " come chocolates, pequena, come chocolates".

António José Ferreira

terça-feira, 15 de maio de 2007

Nietzsche: A Origem da Tragédia (análise temática)

Nietzsche, escritor impulsivo, inspirado e de um fulgor criativo até ao frenesi não se preocupou muito, na sua obra, com delimitações temáticas de tipo arquitectónico. No entanto, se repararmos com um pouco de atenção nos 25 capítulos da Origem da Tragédia, verificaremos que eles se podem agrupar em torno de três temas essenciais, sem que no entanto, essa divisão seja absolutamente estanque:
Do capítulo 1 ao capítulo 9, o tema predominante é a dialéctica Apolo-Diónisos.
Do capítulo 10 ao capítulo 19, o tema predominante é o socratismo estético.
Do capítulo 20 ao capítulo 25, o tema predominante é o regresso de Diónisos e a restauração da aliança.
O primeiro tema gira em torno da caracterização dos dois génios tutelares da estética e da civilização trágicas: Apolo como espírito luminescente da aparência que torna possível a visão transformada ( e por isso suportável) da essência dionisíaca do real, dessa natureza bruta e cruel, pletórica que o socratismo haveria de tornar idílica.
O segundo tema gira em torno da conspiração socrática,bem urdida e melhor sucedida, para derrubar a civilização do trágico e substitui-la por um admirável mundo novo que começa no retórico "só sei que nada sei", se desenvolve no délfico " conhece-te a ti mesmo" e decorre numa infinita mobilização para o nada e é este o sentido nietzschiano do nihilismo.
O terceiro tema gira em torno da utopia nietzschiana do "retorno ao trágico", consolidado no abraço fraternal dos dois velhos adversários de que vê prenúncios na restauração da " pátria mítica" - esse heimat, tão fulgurantemente presente no drama musical wagneriano.
Dissemos " utopia" do retorno ao trágico mas o poder profético de Nietzsche não deixou espaço para uma alternativa outra, pois quer se retorne ao trágico quer não, "trágico" parecerá sempre o resultado.

domingo, 13 de maio de 2007

Friedrich Nietzsche (1844-1900)

Autor controverso, ligado ao que se costumou chamar " Crise da Razão", era filho de um pastor luterano que morreu quando ele tinha apenas quatro anos. Com múltiplos interesses, dos quais se destacam a filologia, a música e a filosofia, teve uma vida conturbada, atormentada pela doença física (sífilis) e pela luta contra o "demónio" da loucura que o havia de neutralizar durante mais de uma década, precisamente entre Janeiro de 1889 , mês em que beija um cavalo em Turim como reacção a uma brutal agressão que o animal estava a sofrer por parte de um cocheiro, e 25 de Agosto de 1900, data em que acabou por falecer.
Nietzsche é um autor de grande "verve", senhor de uma escrita poderosa, dono de uma vasta erudição e profundamente empenhado em denunciar o caminho do optimismo racionalista de raíz platónico-cristã como ilusório, acusando o sua figura tutelar - Sócrates - como "génio da decadência".
A obra que temos em análise ," A Origem da Tragédia" , foi publicada em 1872 e é a sua primeira obra; constitui uma homenagem a Richard Wagner, por quem Nietzsche nutria uma profunda admiração. No entanto, o primeiro objecto da admiração de Nietzsche foi o filósofo Arthur Schopenhauer (1788-1860), admiração de que partilhava também o próprio Wagner e o seu círculo de amigos.
Esta obra incide sobre a relação entre a Estética e a Civilização, ou seja, centra-se na análise da Tragédia enquanto género dramático, que muito para além de ser meramente um espectáculo, se confunde com a religiosidade primitiva dos gregos e com a própria génese do panteão olímpico. Com efeito, os dois génios tutelares da tragédia ática são Apolo e Diónisos, deuses do sonho e da embriaguês, respectivamente.
Apolo e Diónisos representam um par dialéctico, ou seja, um par de adversários cuja relação agónica constitui uma necessidade genética da própria obra de arte, neste caso, da Tragédia.
O fundo da natureza, a sua força pletórica, o Uno Primordial, é representado por Diónisos, deus da embriaguês e do delírio,da fúria sexual e da orgia, do excesso (hübris) e também da música enquanto arte primeira; a sua intervenção é "moderada" por Apolo, o deus da luz solar e por isso, de tudo o que é visível: das artes plásticas, da separação da realidade em seres individuais(individuação) e também do sonho enquanto manifestação da imagem.
O combate entre estes deuses resulta numa forma equilibrada de arte dramática que Nietzsche considera ser a tragédia ática, nomeadamente nos seus dois expoentes máximos: Sófocles e Ésquilo. Já um terceiro autor - Eurípedes - é considerado por Nietzsche um alter ego dramático de Sócrates ou, na sua própria expressão, uma
" máscara dramatúrgica", uma vez que Sócrates parecia "alérgico" ao teatro e à poesia em geral.
Nietzsche considera o " socratismo estético" como a grande ruptura que provoca a morte da tragédia por " suicídio" e a sua transformação em "comédia ática". Essa transformação passa por alterações quer formais, quer de conteúdo em relação ao que o autor considera ter sido a tragédia canónica.
Do ponto de vista formal, o papel atribuído à música e ao coro passa a ser muito menor, sendo o protagonista na sua performance individual, sobrevalorizado; Nietzsche vê aqui, um predomínio da vertente individualista-racionalista-optimista sobre o pessimismo trágico. Acresce ainda, do ponto de vista do conteúdo, uma " subida do público ao palco", querendo com isto dizer que é a vida do próprio público, o seu quotidiano comezinho, que passa a ter honras de enredo; assim, dos heróis mitológicos e dos deuses, se passa a contar a história do marido enganado e do escravo espertalhão que se torna rico proprietário: é segundo ele o " aburguesamento" da tragédia, o que corresponde a uma transformação em forma dramática medíocre.
Nietzsche, no fim desta obra irá, por analogia, relacionar este período - o longínquo séc.IV a.C.- com a segunda metade do séc. XIX e ver neles claro paralelismo, nomeadamente a "ditadura" do crítico, o papel vulgarizador do jornal, e a transformação de todo o passado em História, o que lhe dá uma dimensão analítico-arqueológica, fazendo de conta que nada temos que ver com isso.
Por fim, Nietzsche propõe a retoma da antiga aliança entre Apolo e Diónisos, uma aliança guerreira, uma aliança de verdade.
Pode dizer-se que essa aliança é uma miragem, mas também se pode observar que em matéria da "ditadura" do jornal, Nietzsche não tinha ainda visto nada, uma vez que morreu 50 anos antes da televisão ter feito a sua entrada triunfal no mundo; se ditaduras do espírito ou da falta dele existem, esta será incontestavelmente a maior, com um pormenor cínico e mortífero: o de fazer passar a sua enorme distância focal e manipuladora dos conteúdos por "carnaval" dionisíaco.
Sem dúvida, Nietzsche foi um profeta e terá afirmado que a sua doutrina anteciparia os próximos duzentos anos - nos primeiros cem, já acertou em cheio.

Nietzsche: A Origem da Tragédia


sexta-feira, 4 de maio de 2007

O Real e o Virtual

No sentido estritamente económico (do business), não há propriamente empresas virtuais, a não ser em casos como nos Jogos de Gestão do Expresso, por exemplo, em que jogadores factuais e logo, actuais, se associam em equipas que formam "empresas" a fim de disputar um jogo do tipo "Monopólio"; fora desse domínio a designação "empresas virtuais", significa apenas por comodidade de linguagem e para utilizar um jargão hodierno, empresas que são entidades também factuais e actuais, uma vez que a sua existência tem por objectivo a prestação de serviços e a geração de mais - valias, mas em que do ponto de vista dos métodos de organização se recorre a técnicas de comunicação virtual, explorando a panóplia de possibilidades que hoje existem nesse domínio o que nós, embora modestamente e sem fins lucrativos, estamos também a tentar fazer. No sentido estritamente económico, portanto, não haverá propriamente empresas virtuais, mas empresas que utilizam meios virtuais, um dos quais o teletrabalho, que torna possível a execução de um conjunto vasto de tarefas " sem saír de casa". Claro está que todas as soluções trazem problemas e esta não constitui excepção, uma vez que o trabalhador atomizado corre sérios riscos de isolamento psicossocial que radicam no seu isolamento físico; é evidente que estamos a assistir a uma profunda mutação no domínio da sociabilidade, pelo menos para muito diferente e sem nenhumas garantias que seja para melhor : numa primeira observação, já algo longa, longa até demais para ser meramente impressionista, sugere-se até o contrário. De facto, utilizando meios virtuais pode-se comprar ou vender café, mas não se pode tomar café com os colegas; claro está que pode convidar-se os colegas para tomar café, mas se um estiver em Singapura, o outro em Cabo Verde e um terceiro, por hipótese, em Helsínquia, vai tornar-se algo difícil, a não ser que cada um tome o seu café e utilizando a webcam partilhem virtualmente o ritual. Também está a ser muito problemática a questão, digamos, do "referente" que passa a ser a ausência de um local físico em que as pessoas , ao menos umas quantas vezes, se encontrem. Sendo também certo que muitas empresas que recorrem às tecnologias da informação e da comunicação, agrupam os seus operadores em "Call Centers" em que partilham um espaço físico comum.
A propósito, não posso deixar de citar um recente artigo de Miguel Sousa Tavares em que salientava os prodígios das novas tecnologias, dizendo mais ou menos isto: " hoje em qualquer lado se pode trabalhar, basta ter um portátil e um telemóvel". É caso para perguntar se para trabalhar nas obras de construção da Barragem do Alqueva, se o portátil e o telemóvel serão suficientes, talvez no " mundo virtual" em que vive Sousa Tavares.
A utilização do ciberespaço e a instantaneidade do tempo de comunicação, o " tempo real", são um passo de gigante na aceleração de um e na neutralização de outro; podem já transaccionar-se carne, batatas e ovos pela net, não pode é comer-se bitoques através dela, o que demonstra que neste campo, como aliás, em todos, não há solução que não traga problemas. A alternativa virtual só funciona enquanto efeito de desmaterialização daquilo e só daquilo, que pode ser desmaterializado ; mais uma vez, aqui subsiste o problema do referente, se quisermos desrealizar o mundo teremos sempre a resistência do real, e o real na sua íntima realidade não costuma ser uma ficção; a sua entificação pode ser sujeita a mutações, não pode é deixar de ser.
São relativamente pacíficas as virtualidades do virtual,na sua não oposição fáctica ao real mas apenas ao actual, se bem entendi o conceito, naquilo a que o bom senso, que deve ser "o bem melhor distribuído do mundo" convier; no entanto devemos também convir que deve haver espaços e tempos na vida que constituam redutos da actual e actualizável "naturalidade" pois é muito mais fácil ser-se quem se não é virtualmente, do que cara a cara, o que quer dizer que o problema da oposição entre a realidade e o simulacro, subsiste e até se complica neste domínio.
Post Scriptum: esta é apenas uma contribuição inicial para o debate, mas dado o adiantado da hora e o alongado do texto, vou deixá-la ficar por aqui. Terei todo o gosto em voltar ao tema, analisando a utilização do virtual como estratégia que se insere no acelerar da Mobilização geral do humano, num sentido que corre riscos de entrar em " roda livre" e de se tornar senão desumano, pelo menos, inumano, aliás, os sintomas estão à vista, o que não significa que se possa ou deva passar ao lado do fenómeno que é, de facto, incontornável.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

domingo, 29 de abril de 2007

O Objecto da Ética na FMC de Kant

No Prefácio à Fundamentação da Metafísica dos Costumes Kant explica o objecto da Ética, considerando que tradicionalmente a velha Filosofia grega se dividia em três ciências: a Física, a Ética e a Lógica.
A Lógica não tem qualquer parte empírica ou seja, o seu objecto será pensamento puro e a sua expressão, será uma ciência puramente formal.
Já a Física e a Ética possuem ambas a sua parte empírica: a primeira, enquanto ciência da natureza, tem por objecto o mundo dos fenómenos, ou seja, o mundo como é; e a segunda, enquanto " ciência da liberdade" terá por objecto, o mundo como deve ser e também a avaliação das razões que fazem a diferença entre o que deveria acontecer e o que realmente acontece.
Outra noção importante da Ética kantiana expressa na FMC é a da insistência do autor na diferença entre conformidade e respeito, indo ao ponto de afirmar que mesmo no feliz acaso de uma alma generosa que encontre comprazimento em semear o bem, esse não será motivo de respeito mas tão só digno de ser honrado, uma vez que a motivação em que assenta não é o puro dever, mas a auto-gratificação.
Esta é a caracterização mais essencial da Ética kantiana enquanto Ética deontológica , as acções não valem em si, mas valerão no enquadramento global que começa na intenção; eis porque uma boa acção realizada por menos bons motivos perde o seu estatuto de acto puramente moral.
Um terceiro aspecto importante que é de salientar, é o da necessidade do imperativo categórico que o autor faz radicar na imperfeição constitutiva da vontade humana. Uma vez que a vontade humana não é a priori determinada pela razão e bem pelo contrário, é mais facilmente influenciável pela imediatez da inclinação, ou pelo cálculo oportunista do interesse , o sujeito terá de se vincular ao plano da razão através de um mandamento absoluto e incondicionado, patente no imperativo categórico, que Kant considera o mandamento da moralidade por excelência. O imperativo categórico, por contraposição ao imperativo hipotético não considera apenas meios para atingir fins, mas centra-se na finalidade em si mesma: o que está em causa não é a mera adequação das acções capazes de produzir um determinado resultado, mas o princípio em si mesmo que traduz uma finalidade boa em si mesma, sem que se parta de qualquer " se", que afinal, constitui o termo inicial da formulação do imperativo hipotético. " Se" traduz suposição, condição, hipótese; o imperativo categórico, pelo contrário, ordena categoricamente.

sexta-feira, 30 de março de 2007

Comentários/reflexões


O Mestre Descartes, após muito cogitar, encontrou uma espécie de " ovo de Colombo" quando resolveu iniciar na ordem cronológica, a sua Metafísica pela " res cogitans"; de facto esse recurso ao imaterial permitiu-lhe resolver satisfatoriamente um problema que no seu tempo, era candente. Hoje podemos transpor este problema, por analogia, para a relação que se estabelece entre o pensamento e a chamada"realidade virtual" e incluir nesta problemática a mediação que a torna possível, a da máquina; no entanto, esta mediação já não é nova, nem sequer em termos de tecnologias da comunicação , basta que nos lembremos que ainda o séc. XIX ia tenro quando Morse desenvolveu o telégrafo cuja linguagem era o célebre código que tem o seu nome e que permaneceu operacional até ao muito avançado séc. XX ( quem tem mais de 40 anos lembra-se, concerteza, da Marconi e dos seus boletineiros que entregavam telegramas). É óbvio que sem a intermediação da máquina tal não teria sido possível; a própria imprensa e também a rádio e a televisão só foram possíveis pela intermediação de máquinas mais ou menos sofisticadas, desde a tipografia fixa até à móvel, desde a telegrafia por cabo até à telegrafia sem fios, vulgo telefonia, aos vários avatares da televisão; tudo, para se constituir, implicou a mediação de máquinas. Áliás, o conceito de máquina remete mais para uma funcionalidade do que para uma complexidade, na verdade há até máquinas bem simples( uma alavanca, por exemplo).
O que se passa é que para além da real complexidade das máquinas hoje em dia utilizadas na informação e na comunicação, e essas não são de modo algum virtuais: as máquinas existem, estão lá, digamos assim, ocupam espaço, têm até, algumas, dimensões apreciáveis do ponto de vista físico e somente os seus efeitos possibilitam uma espécie de concretização do virtual. Não há, que eu saiba,efeitos virtuais produzidos por engenhos virtuais, o problema está antes, na dimensão e na utilização.
Com a acessibilidade e a portabilidade deu-se início a uma democratização do uso de instrumentos como o computador e o telefone móvel que até recentemente, não podiam ser utilizados com facilidade por toda a gente em qualquer lugar, e esta é que é a verdadeira revolução. A nossa maneira de pensar está há muito moldada por essa intermediação, trata-se agora do problema da utilização. Com efeito, a televisão tradicional, digamos assim, não é interactiva, e mesmo aquela que muitas vezes utiliza esse nome, não o é de facto, enquanto que a utilização da internet pode sê-lo mais facilmente , se bem que muitas vezes esta dimensão da interactividade se apresente de forma falaciosa: se eu tiver um blog blindado em que não sejam permitidos posts abertos, ela não é de facto interactiva, ou seja, na "democracia virtual", subsiste a questão do poder, do mesmo modo grosseiro que numa família quem manda na programação da TV é quem tem o comando na mão.
Este terreno presta-se geralmente a uma série de equívocos e ainda que não queiramos ser luddites, não podemos deixar de assinalar que há um certo discurso da " banha da cobra" tecnológica, que tende a apresentar-se como panaceia universal e que sofisticamente omite alguns pequenos pormenores dessa natureza - de que para enganar os tansos é melhor não falar; trata-se da velha táctica de " êpater le bourgeois"; é claro que como todos os discursos falaciosos ele não resiste a um mínimo de crítica e para citar em jeito de homenagem um outro Mestre recém-desaparecido e refiro-me a Baudrillard ( é claro que não é nenhum Descartes, mas os tempos também são outros): " A simulação já não é a simulação de um território, de um ser referencial, de uma substância. É a geração pelos modelos de um real sem origem nem realidade: hiper-real... O deserto do próprio real". ( in "Simulacros e Simulação").
Neste momento somos obrigados, por dever de lucidez, a ser uma espécie de Descartes ao contrário, e em vez de começarmos a nossa ordem das substâncias pela Substância insubstancial é melhor que quando acordamos, pela manhã, para os que o fazem, verifiquemos, pelo simples pôr dos pés no chão,( sim, não vale a pena dar cabeçadas nas paredes) se o mundo ainda existe e é claro que como existe, temos o imperativo de partir dele.
Post Scriptum: Claro que já há máquinas que pensam, no domínio da chamada Inteligência Artificial, mas não são estas que estamos a utilizar, apesar de estarem numa fase ainda embrionária, são só para aí 'n' vezes mais complexas.



Comentários/reflexões

No sentido estritamente económico (do business), não há propriamente empresas virtuais, a não ser em casos como nos Jogos de Gestão do Expresso, por exemplo, em que jogadores factuais e logo, actuais, se associam em equipas que formam "empresas" a fim de disputar um jogo do tipo "Monopólio"; fora desse domínio a designação "empresas virtuais", significa apenas por comodidade de linguagem e para utilizar um jargão hodierno, empresas que são entidades também factuais e actuais, uma vez que a sua existência tem por objectivo a prestação de serviços e a geração de mais - valias, mas em que do ponto de vista dos métodos de organização se recorre a técnicas de comunicação virtual, explorando a panóplia de possibilidades que hoje existem nesse domínio o que nós, embora modestamente e sem fins lucrativos, estamos também a tentar fazer. No sentido estritamente económico, portanto, não haverá propriamente empresas virtuais, mas empresas que utilizam meios virtuais, um dos quais o teletrabalho, que torna possível a execução de um conjunto vasto de tarefas " sem saír de casa". Claro está que todas as soluções trazem problemas e esta não constitui excepção, uma vez que o trabalhador atomizado corre sérios riscos de isolamento psicossocial que radicam no seu isolamento físico; é evidente que estamos a assistir a uma profunda mutação no domínio da sociabilidade, pelo menos para muito diferente e sem nenhumas garantias que seja para melhor : numa primeira observação, já algo longa, longa até demais para ser meramente impressionista, sugere-se até o contrário. De facto, utilizando meios virtuais pode-se comprar ou vender café, mas não se pode tomar café com os colegas; claro está que pode convidar-se os colegas para tomar café, mas se um estiver em Singapura, o outro em Cabo Verde e um terceiro, por hipótese, em Helsínquia, vai tornar-se algo difícil, a não ser que cada um tome o seu café e utilizando a webcam partilhem virtualmente o ritual. Também está a ser muito problemática a questão, digamos, do "referente" que passa a ser a ausência de um local físico em que as pessoas , ao menos umas quantas vezes, se encontrem. Sendo também certo que muitas empresas que recorrem às tecnologias da informação e da comunicação, agrupam os seus operadores em "Call Centers" em que partilham um espaço físico comum.
A propósito, não posso deixar de citar um recente artigo de Miguel Sousa Tavares em que salientava os prodígios das novas tecnologias, dizendo mais ou menos isto: " hoje em qualquer lado se pode trabalhar, basta ter um portátil e um telemóvel". É caso para perguntar se para trabalhar nas obras de construção da Barragem do Alqueva, se o portátil e o telemóvel serão suficientes, talvez no " mundo virtual" em que vive Sousa Tavares.
A utilização do ciberespaço e a instantaneidade do tempo de comunicação, o " tempo real", são um passo de gigante na aceleração de um e na neutralização de outro; podem já transaccionar-se carne, batatas e ovos pela net, não pode é comer-se bitoques através dela, o que demonstra que neste campo, como aliás, em todos, não há solução que não traga problemas. A alternativa virtual só funciona enquanto efeito de desmaterialização daquilo e só daquilo, que pode ser desmaterializado ; mais uma vez, aqui subsiste o problema do referente, se quisermos desrealizar o mundo teremos sempre a resistência do real, e o real na sua íntima realidade não costuma ser uma ficção; a sua entificação pode ser sujeita a mutações, não pode é deixar de ser.
São relativamente pacíficas as virtualidades do virtual,na sua não oposição fáctica ao real mas apenas ao actual, se bem entendi o conceito, naquilo a que o bom senso, que deve ser "o bem melhor distribuído do mundo" convier; no entanto devemos também convir que deve haver espaços e tempos na vida que constituam redutos da actual e actualizável "naturalidade" pois é muito mais fácil ser-se quem se não é virtualmente, do que cara a cara, o que quer dizer que o problema da oposição entre a realidade e o simulacro, subsiste e até se complica neste domínio.
Post Scriptum: esta é apenas uma contribuição inicial para o debate, mas dado o adiantado da hora e o alongado do texto, vou deixá-la ficar por aqui. Terei todo o gosto em voltar ao tema, analisando a utilização do virtual como estratégia que se insere no acelerar da Mobilização geral do humano, num sentido que corre riscos de entrar em " roda livre" e de se tornar senão desumano, pelo menos, inumano, aliás, os sintomas estão à vista, o que não significa que se possa ou deva passar ao lado do fenómeno que é, de facto, incontornável.

segunda-feira, 19 de março de 2007

Recursos Didácticos e Propostas de Actividades

O que é o Homem?

A Unidade 9 do Curso SUC tem como"matéria" a pequena obra de Kant -
-" Fundamentação da Metafísica dos Costumes"; pequena na dimensão, mas enorme na riqueza de conteúdos.
Visa esta obra constituir uma versão de divulgação para um público vasto da Ética de Kant e um " prelúdio" a uma "Metafísica dos Costumes" que com a "Crítica da Razão Prática" constituem a substância da sua obra Ética. Assim, a publicação da "Fundamentação" data de 1785, a da "Crítica da Razão Prática" de 1788 e a da "Metafísica dos Costumes" de 1797.
Estas obras inserem-se no vastíssimo contexto do sistema kantiano, digamos que num segundo momento; o primeiro, que inclui como obra emblemática a monumental "Crítica da Razão Pura" (1781) é dedicado ao problema do conhecimento, este segundo à questão da acção. Haverá ainda um terceiro de carácter metafísico-problemático.
Em síntese, o sistema de Kant, enquanto Antropologia Fundamental, visa responder à questão que serve de epígrafe a este texto: " O que é o Homem?" Esta questão fundamental encontra-se desdobrada em três outras: "Que posso saber?"
"Que devo fazer?"
"Que me é permitido esperar?"
A primeira remete, obviamente, para a questão do conhecimento;
a segunda, para a questão da acção moral;
a terceira, para o problema da religião.
À primeira questão Kant vai responder de uma forma original, superando a velha distinção entre Racionalismo e Empirismo, fundando o Idealismo Transcendental, que avisa ser um idealismo gnosiológico a que corresponde um realismo empírico, ou seja, contrariamente aos idealismos empíricos que acabam por corresponder, muitas vezes, a realismos gnosiológicos ou então, a cepticismos mais ou menos radicais do ponto de vista do conhecimento, a que correspondem dogmatismos por falta de alternativas no domínio da apreensão. Quer dizer, se não concebermos a realidade da experiência como substancial, teremos que a fundamentar em "insubstancialidades" estabelecidas tais como, as noções de Ideia, Deus, Mundo, Alma, etc., que só se podem estabelecer ao nível do conhecimento dogmaticamente, pelo que Kant as exclui do campo do conhecimento e as remete para o do pensamento racional. Deixam assim, de ser equivalentes as esferas do pensar e do conhecer. Doravante estarão separados os campos da Metafísica e da Ciência.
Post Scriptum: Este texto será lido pela aluna, através do seu software específico e destina-se a problematização e debate quer na aula, quer no Blog.

sexta-feira, 16 de março de 2007

Iniciação



Iniciação cheira a esoterismo; não é essa , no entanto, a minha intenção. Neste momento quero tão só, abrir uma via de comunicação pedagógica que possibilite o intercâmbio de informação e de instrumentos de avaliação dos alunos dos SUC de Filosofia das Unidades 8 , 9 e 10.
Esta via será especialmente dedicada a uma aluna especial, a Simone Cruz, que maneja muito melhor do que eu estes instrumentos, mas como acontece ser eu o professor ,vou tentar ensinar-lhe filosofia(que pretensioso!...) e aprender com ela, para além das TICs que ela domina praticamente na perfeição, também algo do modo como ela experiencia a própria disciplina, para além da vida, claro!