Nietzsche, escritor impulsivo, inspirado e de um fulgor criativo até ao frenesi não se preocupou muito, na sua obra, com delimitações temáticas de tipo arquitectónico. No entanto, se repararmos com um pouco de atenção nos 25 capítulos da Origem da Tragédia, verificaremos que eles se podem agrupar em torno de três temas essenciais, sem que no entanto, essa divisão seja absolutamente estanque:
Do capítulo 1 ao capítulo 9, o tema predominante é a dialéctica Apolo-Diónisos.
Do capítulo 10 ao capítulo 19, o tema predominante é o socratismo estético.
Do capítulo 20 ao capítulo 25, o tema predominante é o regresso de Diónisos e a restauração da aliança.
O primeiro tema gira em torno da caracterização dos dois génios tutelares da estética e da civilização trágicas: Apolo como espírito luminescente da aparência que torna possível a visão transformada ( e por isso suportável) da essência dionisíaca do real, dessa natureza bruta e cruel, pletórica que o socratismo haveria de tornar idílica.
O segundo tema gira em torno da conspiração socrática,bem urdida e melhor sucedida, para derrubar a civilização do trágico e substitui-la por um admirável mundo novo que começa no retórico "só sei que nada sei", se desenvolve no délfico " conhece-te a ti mesmo" e decorre numa infinita mobilização para o nada e é este o sentido nietzschiano do nihilismo.
O terceiro tema gira em torno da utopia nietzschiana do "retorno ao trágico", consolidado no abraço fraternal dos dois velhos adversários de que vê prenúncios na restauração da " pátria mítica" - esse heimat, tão fulgurantemente presente no drama musical wagneriano.
Dissemos " utopia" do retorno ao trágico mas o poder profético de Nietzsche não deixou espaço para uma alternativa outra, pois quer se retorne ao trágico quer não, "trágico" parecerá sempre o resultado.
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