quarta-feira, 16 de maio de 2007

Humanos: Conceito e Realidade

A leitura da obra de John Gray " Sobre Humanos e Outros Animais" ( Lx. Fev/ 07), Trad. Port. por Miguel Serras Pereira Ed. Lua de Papel ( Straw Dogs: Thoughts on Humans and Other Animals), constitui um dos mais inquietantes e, na minha opinião, aterradores libelos contra o humanismo nas suas mais variadas versões e até disfarces.
Na verdade, não há quase ninguém que seja poupado pelo autor, incluíndo Nietzsche e Heidegger ( por ele considerados imagine-se, humanistas, ainda que em desespero de causa). Um dos poucos que ainda se "safa" é Schopenhauer afinal o grande presciente que conseguiu entrever o descalabro do humanismo por ter sido um dos primeiros intelectuais europeus versado em pensamento oriental ( budismo, taoísmo, xintoísmo) e assim , teria compreendido as bases erróneas em que este assenta.
Socorre-se ainda da Hipótese Gaia de Lovelock e Margulis que considera a Terra um todo orgânico e auto-regulado, de tal modo que a humanidade não passaria de uma "praga" ( a primatemaia disseminada) que de modo algum terá capacidade possível para destruír o seu hospedeiro ( a Terra) pelo contrário, esta terá toda a capacidade para se curar dessa doença, através do decréscimo populacional que seria uma forma de controlo de pragas.
Esse decréscimo populacional pode ser auto-induzido de várias maneiras, a mais comum será o stress e não me refiro apenas ao stress psicológico, que é uma mera manifestação do stress tout-court, que consiste num enfraquecimento da vitalidade desencadeado pelo excesso populacional. Assim e apesar do autor também criticar Hegel, o ecossistema Terra seria dominado por uma espécie de Astúcia da Razão em que sintomas considerados como artificiais, o aquecimento global por exemplo, não passam de instrumentos de auto-regulação natural, que põe o homem com comportamentos auto-destrutivos ao nível do suicídio das baleias ou da agressividade dos ratos em circunstâncias de penúria de espaço vital ( mas isso já os teóricos neo-liberais da gestão andam a dizer há anos, vide o best-seller " Quem Mexeu no Meu Queijo ?").
( Leiam também a brilhante resposta: " Fui Eu Que Mexi no teu Queijo!")
No fundo, nada há na humanidade que seja própria ou exclusivamente humano, como os humanistas em geral gostam de pensar e que afinal não passaria de um whishfull thinking. Esta ideia até que nem é nova, basta que nos lembremos do Desmond Morris do fim dos anos 60 e dos seus " Macaco Nu" e " Zoo Humano" , até aos mais recentes socio-biologistas que se encarniçam na dura tarefa de mandar o Edgar Morin, entre outros, " às malvas", ou como dizia a minha avó, muito recentemente falecida " à mulher da fava, enquanto a ervilha não enche". Por isso, não há brechas nem fendas que resistam e a cultura é uma mera manifestação da natureza, sendo Nova York tão natural como a Amazónia ( imagino que esta ideia terá muitos detractores) e a internet tão natural como as teias de aranha ( esta, imagino, já será em certos ambientes, mais simpática).
A base oracular de Gray é uma espécie de simbiose entre a biologia ecossistémica heterodoxa ( Lovelock/Margulis), um darwinismo proclamado como não antropocêntrico, uma vez que o autor acusa o darwinismo ortodoxo de o ser, e uma influência filosófica orientalista( zen-taoísta) e schopenhaueriana.
Por falar em Schopenhauer, passemos do hardware ao software, ou seja, do real à representação: aqui, também o autor, apesar de criticar o Kant da moral, rende homenagem ao Kant da gnosiologia aliás, como fez Schopenhauer - afinal, o real conhecido será, certamente, um real representado; só que Gray neste pequeno livro vai muito mais longe ( qual Berkeley qual quê !),uma vez que a realidade em si, pode perfeitamente não passar de uma ilusão e aqui o erro de Descartes teria sido realmente enorme e não aquele que Damásio identifica.
Uma outra personalidade poupada é David Hume por ter considerado o real empírico o único, e ainda assim, provisório, ou seja, um real meramente psicológico - o que acordou o homem de Königsberg do seu sono dogmático, em que ele terá caído de novo, talvez pela dimensão utópica de uma Paz Perpétua que o douto Cerqueira não estaria sozinho ao considerar como antecâmara do " eterno descanso".
Portanto, senhoras e senhores, caríssimos colegas: nem sujeito, nem indivíduo, nem humanidade, nem nada que se pareça com especificidade de qualquer tipo, apenas uma estratégia desenhada pelas bactérias de que cada um de nós e todos somos meras colónias, por elas desenhada há muitos milhões de anos.
Confesso que ao ler esta obra me apeteceu saír de gatas e de folha de alface na boca, para me ir juntar à colmeia de térmitas, que afinal de contas é o que todos somos: o mais temível dos predadores; e lá nisso o homem tem razão.
Também me apeteceu escrever a " Metamorfose" ao contrário, como uma espécie de Kafka dos insectos.
E não pude deixar de reflectir nas palavras de Hannah Arendt sobre o behaviorismo: " o problema não é que esteja errado, o problema é que possa estar certo".
Post Scriptum: " come chocolates, pequena, come chocolates".

António José Ferreira

Um comentário:

Unknown disse...

bem eu ja me deixei da filosofia, mas ta ai um belo apoio !

so pa deixar aqi o meu blog para o stor dar uma olhadela e deixar a sua opiniao!

um abraço

http://rafael-tec-desporto.blogspot.com/