segunda-feira, 9 de abril de 2012
NEEs - Modelos e Práticas (1)
O caminho da exclusão à inclusão das crianças e dos jovens com necessidades educativas especiais está relacionado com as características económicas, sociais e culturais de cada época, as quais são determinantes para o modo como se perspetiva a diferença. Exclusão, segregação, integração e, nos tempos atuais, inclusão, marcam um percurso, ao qual estão subjacentes concepções e práticas, relativamente às quais, no caso da inclusão, entendida como educação inclusiva, a formação de professores é um dos factores fundamentais à sua implementação.
As características económicas, sociais e culturais de cada época têm determinado o modo como se tem “olhado” a diferença. Do pensamento mágico-religioso dos tempos remotos à divinização no Egipto, da eliminação na Grécia e em Roma ao abandono e ao “sentimento de horror” vivido na Idade Média, a história da Humanidade mostra-nos que as sociedades têm experimentado grandes dificuldades em lidar com a diferença, seja esta física, sensorial ou psíquica. O caminho da exclusão à inclusão tem sido longo e penoso e muito há ainda para fazer.
Da exclusão à segregação
A deficiência era, para os egípcios, indiciadora e portadora de benesses e, por isso, divinizava-se. Para os gregos e para os romanos pressagiava males futuros, os quais se afastavam, abandonando ou atirando da Rocha Tarpeia, as crianças deficientes.
Na Idade Média, a sociedade, dominada pela religião e pelo divino, considerava que a deficiência decorria da intervenção de forças demoníacas e, nesse sentido, “muitos seres humanos física e mentalmente diferentes – e por isso associados à imagem do diabo e a actos de feitiçaria e bruxaria – foram vítimas de perseguições, julgamentos e execuções”. Na verdade, “a religião, com toda a sua força cultural, ao colocar o homem como ‘imagem e semelhança de Deus’, ser perfeito, inculcava a ideia da condição humana como incluindo perfeição física e mental”.
Os tempos medievais viram surgir, contudo, as primeiras atitudes de caridade para com a deficiência – a piedade de alguns nobres e algumas ordens religiosas estiveram na base da fundação de hospícios e de albergues que acolheram deficientes e marginalizados. Em Portugal são fundadas as primeiras Misericórdias. No entanto, perdurou ao longo dos tempos e, em simultâneo com esta atitude piedosa, a ideia de que os deficientes representavam uma ameaça para pessoas e bens. A sua reclusão, que se processou em condições de profunda degradação, abandono e miséria, foi vista, por conseguinte, como necessária à segurança da sociedade.
Nos séculos XVII e XVIII, a mendicidade proliferava em todas as grandes cidades europeias. Só em Paris, durante a Guerra dos Trinta Anos, havia mais de 100.000 mendigos. Como forma de atrair a caridade, compravam-se, nos asilos, crianças deficientes de tenra idade, que eram barbaramente mutiladas e abandonadas à sua sorte quando, com o avançar da idade, deixavam de ter utilidade (esta prática ainda subsiste, se não com mutilação, mas ainda com a “compra” ou o “aluguer” de crianças, com ou sem deficiência manifesta, para exibição mendicante).
Relativamente aos deficientes mentais, o abandono era total. Os que sobreviviam eram remetidos para orfanatos, prisões ou outras instituições do Estado. Uma Ordem Real de 1606 refere que no Hôtel Dieu, um hospital de Paris que acolhia deficientes mentais, a degradação era total: em leitos miseráveis, dormiam juntas várias pessoas, independentemente das condições de saúde que apresentassem. Como se fosse uma barraca de feira, o Centro Bethlem era visitado, em 1770, por um público que pagava para entrar e para apreciar o “espectáculo”.
Ao longo do século XIX e da primeira metade do século XX, os deficientes foram, assim, inseridos em instituições de cariz marcadamente assistencialista. O clima social era propício à criação de instituições cada vez maiores, construídas longe das povoações, onde as pessoas deficientes, afastadas da família e dos vizinhos, permaneciam incomunicáveis e privadas de liberdade.
As conceções pós-renascentistas que vieram dar fundamento à Escola Nova, as transformações sociais que começaram a verificar-se, na Europa, a consciência de que deficiência mental e doença mental não podem ser confundidas, o que só viria a acontecer a partir dos estudos de Esquirol, em 1818, foram marcos relevantes para a educação das pessoas com deficiência, nomeadamente através do interesse que alguns médicos educadores, como Itard, Seguin e Maria Montessori lhe consagraram. As causas divinas ou demoníacas que empenharam sacerdotes, feiticeiros e exorcistas cederam, assim, lugar a causas do foro biológico, sociológico ou psicológico, da competência. de médicos e, mais tarde, de psicólogos e de educadores.
A institucionalização teve, pois, numa fase inicial, um carácter assistencial. A preocupação com a educação surgiu mais tarde, pela mão de reformadores sociais, de clérigos e de médicos, com a contribuição de associações profissionais1 então constituídas e com o desenvolvimento científico e técnico que se foi verificando, de que os testes psicométricos de Binet e Simon, cuja escala métrica da inteligência permitia avaliar os alunos que iam para escolas especiais, são um exemplo. Surgem instituições para surdos, mais tarde para cegos e muito mais tarde para deficientes mentais e as primeiras obras impressas no âmbito da deficiência, “Redução das Letras e Arte de Ensinar os Mudos a Falar”, de Bonet, e “Doutrina para os Surdos-Mudos”, de Ponce de Léon. De referir, a título de curiosidade, expressões utilizadas no âmbito da educação de pessoas com deficiência, tais como “Pedagogia dos Anormais”, “Pedagogia Teratológica”, "Pedagogia Curativa ou Terapêutica”, “Pedagogia da Assistência Social”, “Pedagogia Emendativa”, que se mantiveram até ao final do século XIX .
A política global consiste agora em separar e isolar estas crianças do grupo principal e maioritário da sociedade. Há uma necessidade, óbvia e compreensível, de evidenciar empenho na resolução do problema: começam a surgir instituições especiais, asilos, em que são colocadas muitas crianças rotuladas e segregadas em função da sua deficiência.
Nesta fase da educação especial de cariz médico-terapêutico reconhece-se o direito à educação especializada e à reabilitação. No entanto e, apesar da crescente preocupação com a educação destes alunos, cuja intervenção decorria de um diagnóstico médico-psico-pedagógico, o processo de colocá-los numa escola de ensino especial ou numa classe especial não deixava de ser um processo segregativo.
Em Portugal, correspondendo a esta fase de institucionalização, foi criado, em 1822, o Instituto de Surdos, Mudos e Cegos, a que se seguiram dois asilos para cegos, dois institutos para cegos e dois institutos para surdos. Só posteriormente, em 1916, surgirá o Instituto Médico-Pedagógico da Casa Pia de Lisboa, que funcionou como Dispensário de Higiene Mental e mais tarde como Centro Orientador e de Propaganda Técnica dos Problemas de Saúde Mental e Infantil de todo o país. Em 1941 foi criado o Instituto António Aurélio da Costa Ferreira e, nos anos sessenta, apareceram as primeiras Associações de Pais: a Associação Portuguesa de Pais e Amigos de Crianças Mongolóides, em 1962, mais tarde chamada Associação Portuguesa de Pais e Amigos de Crianças Diminuídas e, posteriormente, em 1965, Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental. Fundaram-se, por outro lado, Centros de Educação Especial e também Centros de Observação, os quais dependiam do Ministério dos Assuntos Sociais.
Na década de quarenta do século XX assistiu-se, ainda, à construção de centros para pessoas com deficiências, mas a partir dos anos sessenta do mesmo século, os pressupostos teóricos e as práticas de institucionalização começaram a ser questionados. As transformações sociais do pós-guerra, a Declaração dos Direitos da Criança e dos Direitos do Homem, as Associações de Pais então criadas e a mudança de filosofia relativamente à educação especial, que estiveram na origem da fase da integração, contribuíram para perspectivar a diferença com um outro “olhar”.
Da segregação à integração
Vários foram os factores que contribuíram para questionar a institucionalização das pessoas deficientes. Entre outros, o desenvolvimento de associações de pais, deficientes e voluntários, que reivindicaram, nomeadamente em nome da Declaração dos Direitos do Homem e dos Direitos da Criança, a que não foi alheia a luta das minorias pelos seus direitos, lugar na sociedade para os deficientes. A consciencialização, por parte da sociedade, da desumanização, da fraca qualidade de atendimento nas instituições e do seu custo elevado, das longas listas de espera, das investigações sobre as atitudes negativas da sociedade para com os marginalizados e dos avanços científicos de algumas ciências, permitiu perspectivar, do ponto de vista educativo e social, a integração das crianças e dos jovens com deficiência, à qual estava subjacente o direito à educação, à igualdade de oportunidades e ao de participar na sociedade. Para tal, defendia-se um atendimento educativo diferenciado e individualizado, de forma a que cada aluno pudesse atingir metas semelhantes, o que implicava a necessidade de adequar métodos de ensino, meios pedagógicos, currículos, recursos humanos e materiais, bem como os espaços educativos, tendo em conta que a intervenção junto destes alunos, respeitando a sua individualidade, deveria ser tão precoce quanto possível e envolver a participação das famílias.
À integração subsistiu o princípio da normalização, definida, nos finais da década de cinquenta do século XX, por Bank-Mikkelson, director dos Serviços para Deficientes Mentais da Dinamarca e, posteriormente, incluído na legislação daquele país, como a possibilidade de que o deficiente mental desenvolva um tipo de vida tão normal quanto possível. Nirje (1969), director da Associação Sueca Pró Crianças Deficientes, perspectivou este conceito de um modo mais abrangente, defendendo a introdução de normas o mais parecidas possível com as que a sociedade considerava como adequadas na vida diária do “subnormal”, como designou as pessoas com deficiência.
O conceito de normalização estendeu-se a outros países da Europa e à América do Norte nos anos setenta do século XX, nomeadamente através de Wolfensberger (1972), no Canadá. Normalizar, na família, na educação, na formação profissional, no trabalho e na segurança social, consistia, assim, em reconhecer às pessoas com deficiência os mesmos direitos dos outros cidadãos do mesmo grupo etário, em aceitá-los de acordo com a sua especificidade própria, proporcionando-lhes serviços da comunidade que contribuíssem para desenvolver as suas possibilidades, de modo a que os seus comportamentos se aproximassem dos modelos considerados “normais”.
A integração escolar decorreu da aplicação do princípio de “normalização” e, nesse sentido, a educação das crianças e dos alunos com deficiência deveria ser feita em instituições de educação e de ensino regular. A integração escolar começou a ser uma prática corrente nos países da Europa do Norte nos anos 50 e 60 e. nos E.U.A., a partir de 1975, após a aprovação pelo Congresso da Public Law 94-142 (“The Education for All Handicapped Children Act”). Esta lei defendia educação pública e gratuita para todos os alunos com deficiência, avaliação exaustiva e práticas não discriminatórias quer cultural quer racialmente, a colocação dos alunos num meio o menos restritivo possível, a elaboração de planos educativos individualizados que deveriam ser revistos anualmente pelos professores, encarregados de educação e órgãos de gestão da escola, a formação de professores e outros técnicos e o envolvimento das famílias no processo educativo dos seus educandos. A sua revisão, em 1990, que lhe alterou o nome para “Individuals with Disabilities Education Act”, incluiu mais duas categorias que não tinham sido contempladas no anterior documento: autismo e traumatismo craniano, a utilização do termo “disability” como substituto de “handicap”e a obrigatoriedade de as escolas se envolverem na transição dos seus alunos para a vida activa.
Em Inglaterra, com o Warnok Report Special Education Needs, publicado em 1978 e legislado em 1981 pelo “Education Act”, deu-se mais um passo de enorme relevo relativamente à integração escolar. De acordo com este documento, as dificuldades de aprendizagem que se verificavam em uma de cada cinco crianças dependiam de vários factores e não significavam necessariamente uma deficiência, podendo, no entanto, agravar-se, se não houvesse uma intervenção educativa adequada. Nesse sentido, propunha-se que fosse feita uma reavaliação dos alunos que estavam em escolas do ensino especial, que os professores do ensino regular fossem consciencializados relativamente à integração escolar e que se tivesse em conta a importância da articulação entre os diversos actores que interferiam no processo educativo destas crianças.
Porém, o maior contributo do Relatório Warnock consistiu na introdução do conceito de necessidades educativas especiais, o que representou um contraponto às categorizações existentes até então, que eram, sobretudo, do foro médico e psicológico. De acordo com este documento e, em conformidade com o Education Act, um aluno tem necessidades educativas especiais quando, comparativamente com os alunos da sua idade, apresenta dificuldades significativamente maiores para aprender ou tem algum problema de ordem física, sensorial, intelectual, emocional ou social, ou uma combinação destas problemáticas, a que os meios educativos geralmente existentes nas escolas não conseguem responder, sendo necessário recorrer a currículos especiais ou a condições de aprendizagem adaptadas. Acentuava-se, por conseguinte, aquilo de que os alunos precisavam, em contexto escolar, para obviar às suas dificuldades em aprender e a responsabilidade da escola em fornecer os meios que facilitariam o acesso à aprendizagem, os quais consistiam no fornecimento de meios especiais de acesso ao curriculum através de equipamento, instalações ou recursos, modificações do meio físico ou técnicas de ensino especial; acesso a um curriculum especial ou adaptado; atenção especial à estrutura social e ao clima emocional nos quais se processava a educação. (Relatório Warnock, 1978: 3.40).
A integração, conceito a que estão subjacentes três dimensões - sócio-ética, jurídico -legislativa e psicológica-educacional), fundamentou-se em pressupostos, segundo os quais todos os indivíduos se desenvolvem através da mesma sequência de estádios, independentemente das dificuldades que apresentem, dependendo o seu desenvolvimento dos mesmos factores necessários a todas as pessoas: “ambiente precoce rico, estimulante e abundante (Hunt), ambiente de aprendizagem activo, incluindo uma forte ênfase na prática e participação a partir dos primeiros anos e daí em diante (Piaget e Bruner) ”
Historicamente, a integração escolar das crianças e jovens com NEE pode ser vista tendo em conta dois momentos: a intervenção centrada no aluno e a intervenção centrada na escola. As primeiras experiências de integração destes alunos em classes regulares corresponderam à intervenção centrada no aluno. O apoio decorria em salas próprias para o efeito, após um diagnóstico do foro médico ou psicológico. Era equacionado de modo a não provocar qualquer perturbação na turma do ensino regular, nomeadamente porque a permanência destes alunos na escola não acarretava mudanças a nível do currículo, nem a nível das estratégias pedagógicas utilizadas. A intervenção estava a cargo de professores especialistas, de psicólogos e de terapeutas.
Na década de 80 do século XX, com os trabalhos desenvolvidos no âmbito do “Ano Internacional do Deficiente” (1981) reconheceu-se o direito à igualdade de oportunidades, o direito à integração e o direito à “normalização” das crianças e dos jovens deficientes, isto é, a sua plena participação numa sociedade para todos, o que correspondeu à intervenção centrada na escola. As causas dos problemas educativos começaram a ser perspectivadas, não em termos do indivíduo, mas em termos da situação educativa, esta considerada globalmente. O esforço de mudança passou a centrar-se na problemática mais alargada do ensino e da aprendizagem. Pedia-se à escola que respondesse à individualidade de cada aluno e às necessidades educativas especiais de cada um. Privilegiou-se o papel do professor do ensino regular, o professor especialista passou a ser considerado como mais um recurso da escola. O encaminhamento para uma instituição de educação especial só deveria ser feito em última análise, esgotada a capacidade de resposta no ensino regular.
O processo de integração no sistema regular de ensino teve assim, como objectivo, “normalizar” o indivíduo, a nível físico, funcional e social, pressupondo a proximidade física, a interacção, a assimilação e a aceitação.
Embora tenham ocorrido algumas experiências pontuais nos anos sessenta deste século, só a partir dos anos setenta do mesmo é que começou a surgir legislação, em Portugal, que foi definindo, a pouco e pouco, o regime de integração progressiva de alunos cegos, surdos e deficientes motores, primeiro nos ensinos preparatório (actual 2º Ciclo) e secundário e só um ano depois no ensino primário, como então se designava o 1º Ciclo de escolaridade. É também nesta década que as classes especiais, criadas pelo Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, em 1944, foram transformadas em “salas de apoio”, nas quais, como o próprio nome indica, professores especializados atendiam os alunos com necessidades educativas específicas, que estavam integrados em turmas de ensino regular.
A entrada de Portugal na actual União Europeia, em 1986, a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo em 14 de Outubro de 1986, o DL 3/87, de 3 de Janeiro, que estabeleceu a regionalização dos serviços do Ministério da Educação, e a Reforma do Sistema Educativo, foram acontecimentos particularmente relevantes para a educação especial. A entrada para a então Comunidade Económica Europeia traduziu-se em apoios técnicos e financeiros. A Lei de Bases do Sistema Educativo consagrou a educação especial como uma modalidade de educação. O DL 3/87, de 3 de Janeiro, regionalizou os serviços do Ministério da Educação, criando Direcções Regionais de Educação, que ficaram, entre outras incumbências, com as estruturas de educação especial a seu cargo.
Em 1988, a oficialização das Equipas de Educação Especial, caracterizadas como “serviços de educação especial a nível local”, cujas funções consistiam no “despiste, observação e encaminhamento, desenvolvendo atendimento directo, em moldes adequados, de crianças e jovens com necessidades educativas decorrentes de problemas físicos e psíquicos” (Despacho Conjunto 36/SEAM/SERE, de 17/08) e a escolaridade obrigatória para todos os alunos, instituída pelo DL 35/90, de 25 de Janeiro, constituíram também marcos significativos para o processo de integração. Este documento, reconhecendo que a taxa de escolarização destes alunos era muito baixa, propôs como medidas, o seu alargamento a todos os estabelecimentos dependentes de instituições públicas, privadas e cooperativas de educação especial, o princípio da gratuitidade consagrado para o ensino básico, bem como reforço de apoio social aos alunos e às suas famílias.
É de referir que na década de oitenta do século XX, proliferaram serviços no âmbito das dificuldades de aprendizagem ou mesmo da deficiência, de que os Serviços de Apoio às Dificuldades de Aprendizagem, mais tarde convertidos em Unidades de Orientação Educativa, as classes de apoio pedagógico sob a tutela do Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, as Equipas de Educação Integrada, posteriormente convertidas em Equipas de Educação Especial, e os Núcleos de Apoio à Deficiência Auditiva e à Deficiência Visual são alguns exemplos.
No entanto, o documento mais significativo da integração em Portugal foi o DL 319/91, de 23 de Agosto, regulamentado, posteriormente, pelo Despacho 173/ME/91, de 23 de Outubro. À semelhança do Warnok Report introduziu o conceito de necessidades educativas especiais, permanentes ou temporárias, que substituiu as categorizações do foro médico até então utilizadas. Responsabilizou a escola do ensino regular pela educação de todos os alunos, e atribuiu um papel mais explícito aos pais na orientação educativa dos seus filhos. Este documento definiu, pela primeira vez, um conjunto de medidas a aplicar aos alunos com necessidades educativas especiais6, as quais deveriam ser expressas num Plano Educativo Individual que, nas situações mais complexas, remetia para a medida “ensino especial” e para um Programa Educativo. O encaminhamento para uma instituição de educação especial, também previsto, era o último dos recursos e só deveria ter lugar quando a escola comprovadamente não tivesse capacidade de resposta.
A integração, em Portugal, inseriu-se dentro da política de integração da União Europeia, que se perspectivou de acordo com três tendências: a que partiu do princípio de que a escola regular deveria organizar-se de modo a atender as necessidades individuais de todos os seus alunos, a que considerou que a integração era um factor de normalização que não era exclusivo da escola regular e a que defendeu os dois sistemas. Teve início em 1981, no Ano Internacional do Deficiente, embora só em 1990 se tenham tomado medidas mais generalizadas a este respeito.
As questões relativas à deficiência saíram, assim, da esfera da religião e do misticismo para a ciência, passando a ser perspectivadas não como um atributo divino mas como um desvio biológico e, nesse sentido, o seu tratamento implicava a reabilitação e a educação, de acordo com um padrão estabelecido como norma. Os conceitos de normalidade e de reabilitação estiveram, deste modo, na génese de medidas e de práticas de integração, a qual partiu do princípio que deveria ser a pessoa com deficiência a modificar-se, segundo os padrões vigentes na sociedade.
Apesar do nítido progresso em relação às atitudes e às práticas de segregação do passado, estas formas de participação social e educativa só responderam em parte aos direitos destas pessoas, na medida em que exigiam pouco da sociedade. Em termos educativos, a investigação a este propósito veio comprovar que o comportamento dos alunos com necessidades educativas especiais muda em função das expectativas das pessoas que cuidam deles e, também, quando interagem com pares a quem, por sua vez, vão modificar o comportamento.
Os modelos ecológico-sistémicos e transacionais vieram revelar que o desenvolvimento humano só se entende e evolui de forma contextualizada, o que sustenta a fundamentação do modelo inclusivo de educação, na medida em que as crianças aprendem, sobretudo quando se actua sobre o meio ambiente por forma a que encontrem oportunidades de aprendizagem ricas, adultos envolventes e pares estimulantes e organizadores.
Estas perspectivas conduzem a um novo “olhar” sobre as teorias do “handicap biológico”, na medida em que não deixam margem de dúvida para o papel da sociedade, a quem compete introduzir modificações e adaptações, de modo a acolher todos os que dela possam estar excluídos, por motivos económicos, culturais, étnicos, políticos, intelectuais, religiosos ou outros.
Maria Odete Emygdio da Silva (adaptado)
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