terça-feira, 9 de outubro de 2012

O Modelo Transaccional







 A perspectiva sistémica transaccional 
 caracteriza-se deste modo: 

Os aspectos de um sistema, isto é a pessoa e o contexto, coexistem e definem-se em conjunto e contribuem para o significado e natureza de um acontecimento holístico (no seu todo).

Os sistemas são compostos por actores inseparáveis envolvidos em processos psicológicos dinâmicos (acções e processos intra-psicológicos) em contextos sociais e físicos.

"Assim, nesta perspectiva, as acções e relações de cada elemento só podem ser entendidas em função das acções e relações dos outros elementos e das circunstâncias situacionais e temporais onde ocorrem".

Ao contrário de outros modelos que encaram o estudo de unidades estáticas ou estruturas, o objecto de análise destes modelos é a própria mudança que vai ocorrendo nos sistemas de relações. Os resultados da mudança não se podem prever, mas as dinâmicas dos acontecimentos psicológicos podem ter características comuns em acontecimentos históricos semelhantes.

Modelo Transaccional

 Ao expor o modelo transaccional, Sameroff (1983) faz uma revisão da teoria geral dos sistemas de Von Bertallanffyhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_de_sistemas (1968) realçando a importância de distinguir entre sistemas fechados - estruturas específicas cujas operações são redutíveis a alguns princípios básicos - e sistemas abertos - estruturas que mantêm a sua organização apesar da troca entre as suas várias partes e o ambiente.
Considera que o desenvolvimento envolve a interacção auto-dirigida das crianças com os seus ambientes e a mudança progressiva da organização do comportamento em função da experiência.

 Assim, o desenvolvimento dependeria de:

. Características biológicas que estruturam as formas como o ambiente é experienciado pela criança;

. Estruturas sociais e técnicas da cultura em que esta se insere

. Características psicológicas da criança encaradas como resultantes da relação entre as características biológicas e as estruturas sociais.

Laszlo (1972, referido por Sameroff, 1983) considera que os sistemas têm quatro propriedades:

. Totalidade e ordem,

. Auto-estabilização adaptativa,

. Auto-organização adaptativa,

 . Hierarquias sistémicas.

A estas, Sameroff acrescenta uma quinta propriedade:

a transaccional - que pressupõe que o organismo introduz alterações no seu ambiente pelo próprio funcionamento, criando situações adaptativas novas que, por sua vez, vão exigir novas mudanças ao organismo.

Sameroff (1983) apresenta este modelo contextualista como uma visão que abrange aspectos dos modelos mecanicistas e organísmicos.
Segundo ele, a visão contextual não substitui, mas antes vem acrescentar algo aos dois modelos anteriores e a teoria geral dos sistemas  fornece um modelo que os combina: "

Cada sistema existe no contexto de relações hierárquicas e relações com o ambiente. A análise das interfaces hierárquicas combina elementos organísmicos e mecanicistas.

O modelo transaccional de Sameroff e Chandler (1975) enfatiza o facto de que a criança e os vários prestadores de cuidados se influenciam mutuamente ao longo do tempo. Desafiando o paradigma do contínuo da causalidade reprodutiva gerado na sequência do modelo maturacionista de Gesell, propõem um novo paradigma, contínuo da causalidade de prestação de cuidados através do qual descrevem os efeitos dos factores familiares, sociais e ambientais no desenvolvimento humano, no quadro do modelo transaccional. Não negando que causalidades reprodutivas podem ter um papel desencadeador de determinados problemas,estes autores acreditam que a forma como o ambiente físico e social vai lidar com a situação é, em última análise, o que determina a situação final. Numa formulação posterior do modelo transaccional, Sameroff e Fiese (2000) clarificam as relações estreitas entre a criança e o contexto, referindo: "

No modelo transaccional, o desenvolvimento da criança é visto como o produto das interacções contínuas e dinâmicas da criança e da experiência providenciada pela sua família e contexto social. O que é inovador no modelo transaccional é a igual ênfase posta nos efeitos da criança e do ambiente, de tal forma que as experiências proporcionadas pelo ambiente não são encaradas como independentes da criança. O desenvolvimento não pode ser sistematicamente descrito sem uma análise dos efeitos do ambiente na criança.

A adopção do modelo transaccional implica aceitar por um lado que os factores do ambiente podem modificar falhas biologicamente determinadas e, por outro, que há vulnerabilidades desenvolvimentais que têm uma etiologia ambiental , o que se torna de extrema importância no trabalho com crianças em situação de risco ou com deficiência. No âmbito deste modelo, realça-se a importância dos processos de regulação entre a criança, a família e os sistemas culturais, que devem ser analisados na sua dimensão temporal, nos seus objectivos, níveis de representação e contribuições específicas da criança.

Consideram-se três níveis nos processos de regulação em constante interdependência:

Macro-regulações - que marcam mudanças "cruciais" na experiência e continuam por um período alargado de tempo, sendo fundamentalmente determinadas por factores culturais;

Mini-regulações - que se desenvolvem no contexto familiar e são fundamentalmente actividades de rotina, que se repetem numa base diária;

Micro-regulações - que são interacções momentâneas automáticas e inconscientes entre a criança e o adulto que dela cuida.

No que respeita à intervenção, este modelo transaccional é proposto como modelo teórico de referência e tem consequências importantes, nomeadamente na identificação de objectivos e estratégias de intervenção

As mudanças no comportamento são o resultado de uma série de trocas entre indivíduos no âmbito de um sistema partilhado, seguindo princípios reguladores específicos.

Examinando as forças e fraquezas do sistema regulador, podem ser identificados objectivos que minimizam a amplitude da intervenção e maximizam a sua eficiência.

Os autores identificam três tipos de estratégias de intervenção:


. A remediação: que se destina a introduzir modificações no comportamento da criança com a ocorrência de eventuais modificações no comportamento dos pais e que tem como principal objectivo a adequação da criança a competências parentais pré-existentes, que seriam adequadas se a criança tivesse as respostas apropriadas;

. A redefinição: que está indicada quando os códigos familiares não enquadram nem aceitam o comportamento da criança e tem como principal objectivo a facilitação de interacções parentais mais adequadas, actuando no contexto da experiência presente e não relativamente a acontecimentos do passado, implicando que os pais conseguem identificar áreas de funcionamento normal;

. A reeducação: que se refere ao ensino dos pais e está indicada quando estes não têm as competências parentais básicas para regular o comportamento do seu filho e o comportamento parental adequado não fizer parte do seu repertório.

Os três "R" da intervenção têm grande importância para a intervenção precoce

Tomando como exemplo uma criança com problemas orgânicos, Sameroff e Fiese (2000) referem que a estratégia da remediação teria como objectivo primordial alterar as condições orgânicas da criança, o que permitiria que a criança se tornasse mais competente para provocar comportamentos de prestação de cuidados por parte dos pais. A estratégia de redefinição teria como objectivo mudar a forma como os pais percepcionam o comportamento da criança, focando a sua atenção para as características positivas do seu filho, permitindo assim uma interacção mais adequada. Finalmente a estratégia da reeducação teria como objectivo modificar os comportamentos dos pais relativamente à criança, através do ensino de técnicas específicas adequadas às características de cada criança.
.Em 1985, Sameroff, referido por Sameroff e Fiese (1990, 2000) introduz o conceito de Mesotipo. À semelhança do genotipo que regula o desenvolvimento físico de cada criança, o mesotipo, através da família e da organização social em que a mesma está inserida, regula a forma como cada indivíduo se insere na sociedade. Através de códigos culturais, familiares e de cada um dos progenitores estabelece-se uma regulação cognitiva e sócio-emocional que vai actuar e influenciar o desenvolvimento e comportamento de cada criança. Assim, poderá dizer-se que num dado momento:

O comportamento da criança é o produto de transacções entre o fenotipo, isto é, a criança, o mesotipo, isto é, a fonte de experiência externa, e o genotipo, isto é, a fonte de organização biológica.

Segundo os mesmos autores a investigação numa perspectiva transaccional deve assim dar atenção ao estudo de:

Códigos culturais, que determinam, numa determinada cultura, a organização do sistema de socialização e educação das crianças;

Códigos familiares, que regulam o desenvolvimento de cada elemento da família para que cada um desempenhe o papel que lhe foi atribuído no seio dessa mesma família, sendo essa regulação feita através dos rituais, histórias, mitos e paradigmas de cada família;

Códigos individuais de cada um dos progenitores que estão relacionados com as regulações dentro da sua própria família de origem e que influenciam as respostas de cada um à criança, regulando assim o comportamento desta. O estudo de Bailey, Skinner, Rodriguez et al. (1999) é um exemplo de investigação nesta perspectiva. Neste trabalho, que é parte de um estudo mais vasto sobre a forma como as mães de Porto Rico e Mexicanas percepcionam o facto de terem um filho com deficiência e a forma como se adaptam a essa situação, os autores analisam o conhecimento, uso e satisfação com os serviços de intervenção precoce numa amostra de famílias destas comunidades.


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