quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O Apego (Vinculação)



John Bowlby enfatizou sobre o significado do primeiro relacionamento entre a mãe e a criança, através da chamada teoria do apego (ou vinculação - em inglês: "attachment"), ressaltando a importância do primeiro contato mãe-bebé.
Além dele, Ainsworth fala sobre vínculo afetivo como um laço relativamente durável em que o parceiro é importante como um indivíduo único e não pode ser trocado por nenhum outro. Num vínculo afetivo existe o desejo de manter proximidade com o parceiro. Um apego é uma subvariedade do vínculo emocional em que o sentimento de segurança de uma pessoa está estreitamente ligado ao relacionamento.
Pode definir-se que o relacionamento da criança com o progenitor é um apego, mas o relacionamento do progenitor com ela não é, pois o progenitor não experencia um sentimento maior de segurança na presença do bebé, nem o usa como uma base securizante.
O vínculo dos pais parece depender mais do desenvolvimento da mutualidade do que do contato imediato após o nascimento, estes vínculos surgem gradualmente. Bowlby sugeriu três fases no desenvolvimento do apego do bebé.
■ Orientação e sinalização sem foco - Bowlby pensava que o bebé iniciava a vida com uma série de padrões inatos de comportamento que o orientam em direção aos outros e sinalizam as suas necessidades. Neste estágio, há poucas evidências de apego, porém, as raízes do apego são aqui encontradas. O bebé está a construir expectativas, esquemas, a capacidade de discriminar a mãe e o pai em relação a outras pessoas. As interações fáceis, predizíveis, que fortalecem o vinculo dos pais também formam a base para o apego emergente do bebé.
■ Foco centrado numa ou mais figuras - por volta dos 03 meses de idade, o bebé começa a dirigir os seus comportamentos de apego de modo mais focado. As crianças nesta fase não manifestam nenhuma ansiedade especial por serem separadas do progenitor e nenhum medo de desconhecidos.
■ Comportamento com base segura - segundo Bowlby, o bebé forma um apego genuíno por volta dos 06 meses de idade. Ao mesmo tempo, muda o seu modo dominante de comportamento de apego.
Nem todos os bebés têm uma única figura de apego, mesmo neste ponto tão inicial, mas mesmo esses bebés, quando em stress, normalmente manifestam uma preferência por uma dessas pessoas.
Quando a criança desenvolve um apego claro, por volta dos 06 a 08 meses, também podem aparecer vários comportamentos relacionados. O bebé de 10 meses começa a verificar a expressão da mãe ou do pai antes de decidir se deverá aventurar-se numa nova situação.
Por volta dos 02 ou 03 anos, a maioria dos comportamentos de apego tornou-se menos visível. As crianças dessa idade são suficientemente avançadas em termos cognitivos para compreender quando a mãe explica que vai sair e voltará, de modo que a sua ansiedade de separação diminui.
Os comportamentos de apego não desaparecem completamente. As crianças de 02 anos de idade ainda se querem sentar no colo da mãe ou do pai, ainda procuram ficar próximas quando a mãe retorna depois de ter estado ausente, mas são capazes de explorar cada vez mais situações não-assustadoras ou não-stressantes sem aparente angústia a partir da sua base segura.
Uma mudança ainda maior ocorre por volta dos 04 anos, quando o apego da criança parece mudar em qualidade. Bowlby trata este estágio como parceria de objetivo corrigido, em que o relacionamento não depende totalmente da interação com a proximidade física.
As crianças dessa idade ficam muito menos perturbadas com a separação, mas elas ficam preocupadas se não sabem o que está a acontecer ou não compartilharam o planeamento da situação. É somente nas situações stressantes que vemos nítidos comportamentos de apego.
Para uma criança de 07 ou 08 anos vemos comportamentos de base segura muito menos óbvios, e menos afeto manifesto da criança em relação aos pais nesta faixa etária.
Na terminologia de Bowlby, os bebés têm diferentes modelos funcionais internos dos seus relacionamentos com os pais e outras pessoas significativas. Este modelo interno funcional dos relacionamentos de apego inclui elementos como a confiança (ou falta dela) da criança de que a figura de apego será disponível ou confiável, a sua expectativa de rejeição ou afeição e o seu sentimento de segurança de que o outro é realmente uma base segura para exploração.
Este modelo interno começa a formar-se no final do primeiro ano de vida e torna-se mais complexo e mais firme ao longo dos primeiros 04 ou 05 anos. Por volta dos 05 anos de idade, a maioria das crianças tem um claro modelo interno da mãe (ou outro cuidador), um auto-modelo e um modelo dos relacionamentos. Uma vez formados, esses modelos conformam e explicam as experiências e afetam a memória e a atenção.
Willard Hartup sugere que cada criança precisa de ter experiências em dois tipos bem diferentes de relacionamento: vertical e horizontal. Um relacionamento vertical envolve um apego a uma pessoa com maior poder social ou conhecimento, tal como um progenitor, um professor, ou mesmo um irmão mais velho. Esses relacionamentos são complementares, em vez de recíprocos.
O vinculo pode ser extremamente poderoso em ambas as direções, mas os comportamentos concretos que os dois parceiros demonstram um com o outro não são os mesmos.
Os relacionamentos horizontais são recíprocos e igualitários. Os indivíduos envolvidos, como companheiros da mesma idade, têm igual poder social e o seu comportamento mútuo vem do mesmo repertório.
Hartup salienta que esses dois tipos de relacionamento têm diferentes funções para a criança, e ambos são necessários para que ela desenvolva habilidades sociais efetivas.
Nos relacionamentos verticais a criança cria os seus modelos funcionais internos e aprende habilidades sociais fundamentais. Nos relacionamentos horizontais, a criança pratica o seu comportamento social e adquire habilidades sociais como cooperação, competição e intimidade.
Para Wallon, o ambiente no qual a criança está inserida é o seu recurso básico de desenvolvimento, sendo este um processo de individuação crescente que acontece desde o nascimento, através da interação social.
A atividade da criança é potenciada pelos recursos materiais disponíveis, pelas interações que vivencia com outras pessoas.
Embora muitos princípios do desenvolvimento cognitivo se apliquem à compreensão, tanto do mundo físico como social, as crianças sabem desde muito cedo, que os seres vivos são diferentes dos objetos inanimados, durante os primeiros anos as crianças vão refinando a distinção entre pessoas e objetos.
As teorias delineadas para explicar como a cognição social funciona e como afeta o desenvolvimento individual e social derivaram das teorias cognitivas básicas.
A teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget inspirou grande parte da pesquisa inicial sobre a cognição social em relação aos conceitos e ao raciocínio das crianças. No seu desenvolvimento as pessoas passam qualitativamente por níveis distintos ou estágios que emergem numa ordem invariável, embora em proporções variáveis, em crianças diferentes.
Para Wallon, a dimensão afetiva ocupa um lugar central, tanto na construção da pessoa como na construção do conhecimento. Durante o estágio impulsivo-emocional (primeiro ano de vida), o bebé é totalmente dependente e recebe tudo o que precisa das outras pessoas (mãe, pai, ama, educadora). Para obter a satisfação das suas necessidades, ele age sobre os outros através das suas reações emocionais que são expressas pelo choro, pelo sorriso, pelos gestos. As pessoas próximas interpretam as reações do bebé e agem de acordo com o significado que lhes atribuem: mudam-no de posição, dão-lhe de mamar, acomodam-no para dormir.
A principal relação que o bebé estabelece com o ambiente é de natureza afetiva: é o período emocional em que as reações são afetivas: alegria, surpresa, medo.

Maria Aparecida Oliveira (adaptado)

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A Construção da Afetividade



De acordo com a teoria de Piaget o desenvolvimento intelectual é considerado com tendo dois componentes: o cognitivo e o afetivo. Embora nem sempre seja focalizado por psicólogos e educadores, o desenvolvimento afetivo dá-se paralelamente ao cognitivo e tem uma profunda influência sobre o desenvolvimento intelectual. Segundo Piaget o aspeto afetivo por si só não pode modificar as estruturas cognitivas, mas pode influenciar que estruturas modificar.
Se o desenvolvimento afetivo se dá paralelamente ao desenvolvimento cognitivo, as características mentais de cada uma das fases do desenvolvimento serão determinantes para a construção da afetividade. Quando examinamos o raciocínio das crianças sobre questões morais, um dos aspetos da vida afetiva, percebemos que os conceitos morais são construídos da mesma forma que os conceitos cognitivos. Os mecanismos de construção são os mesmos. As crianças assimilam as experiências aos esquemas afetivos do mesmo modo que assimilam as experiências às estruturas cognitivas.
O primeiro mês de vida de um bebé é um período de atividade reflexiva, um período dominado por impulsos reflexos e instintivos com os quais buscam alimentação e a libertação de desconfortos. Durante este período o afeto é associado a reflexos. Isso basicamente não muda até o 4o mês de vida. O corpo do bebé permanece o foco de toda atividade e afeto porque ainda não diferencia o eu como um objeto distinto dos outros objetos.
Após o 4o mês a criança começa a apresentar um comportamento dirigido a um fim (intencional), que evolui de uma repetição de eventos incomuns e interessantes (reações circulares), na qual as intenções só se estabelecem durante as repetições do comportamento para uma intencionalidade presente no início da ação.
Durante o segundo ano de vida os sentimentos começam a ter um papel na determinação dos meios usados para alcançar os fins tanto quanto na determinação dos fins. As crianças começam a experimentar o "sucesso" e o "fracasso" do ponto de vista afetivo e a transferir afetividade para outras pessoas. Com a diferenciação cognitiva que ela faz de si em relação aos objetos, sentimentos como gostar e não-gostar podem começar a ser dirigido para os outros, constituindo-se assim uma porta para o intercâmbio social. A criança de dois anos (final do período sensório-motor) é afetiva e cognitivamente muito diferente do recém-nascido.
Com o advento do período pré-operacional (2 à 7 anos) surgem os primeiros sentimentos sociais em decorrência da linguagem falada e da representação. A representação permite a criação de imagens das experiências, incluindo as experiências afetivas. Assim, os sentimentos podem ser representados e recordados o que não ocorria no estágio sensório-motor. Enquanto uma criança no período sensório-motor pode "gostar" de um objeto ou pessoa hoje, mas não amanhã, já no pré operatório, a criança mostra maior consistência no gostar e no não-gostar.
Piaget concebeu o desenvolvimento do raciocínio moral com uma consequência do desenvolvimento cognitivo e afetivo. Ele sugere que a norma moral apresenta três características: é generalizável a todas as situações análogas, não apenas às idênticas; dura além das situações e das condições que a geraram; está ligada a sentimentos de autonomia. Estas normas do raciocínio moral não estão plenamente realizadas até o estágio operacional concreto. Por exemplo, uma criança pré-operacional acha errado mentir a seus pais e a outros adultos, mas não a seus colegas. Durante este período o raciocínio moral é pré-normativo, ou seja, baseia-se na obediência à autoridade mais por medo do que por respeito mútuo.
Embora o pensamento pré-operacional represente um avanço em relação ao pensamento sensório-motor, ele ainda é restrito em muitos aspetos. A criança é incapaz de reverter as operações e não consegue acompanhar as transformações, a perceção tende a ser centrada e a criança é egocêntrica, ou seja, não pode assumir o papel ou o ponto de vista do outro, acredita que todos pensam como ela. Consequentemente o conceito de intencionalidade ainda não foi construído e a criança não consegue compreender comportamentos acidentais de outras crianças. Acreditam firmemente na moral do "olho por olho, dente por dente" e na sua aplicação em todos os casos. Acreditam na necessidade de punições severas como forma de impedir desobediências futuras e preferem castigos arbitrários.
Assim como o raciocínio durante o período pré-operatório é semilógico, assim também é a compreensão infantil sobre regras e justiça e outros aspetos do raciocínio moral são também semilógicos.
No estágio operacional concreto, o raciocínio e o pensamento adquirem maior estabilidade. A capacidade para raciocinar torna-se gradativamente lógica e menos sujeita às influências das contradições percetivas aparentes. Os afetos adquirem uma medida de estabilidade e consistência que não apresentavam antes.
Com a aquisição da reversibilidade a criança torna-se capaz de coordenar os seus pensamentos afetivos de um evento para outro. Se no estágio pré-operacional o afeto não reúne qualquer dos três critérios para ser normativo, durante o estágio operacional concreto estes critérios passam a ser encontrados a medida em que as capacidades de julgamentos infantis se tornam "operacionais".
Piaget destaca dois elementos fundamentais no desenvolvimento do estágio operacional concreto: a vontade e a autonomia
A vontade é considerada como uma escala permanente de valores construída pelos indivíduos e à qual sente obrigado a aderir. A presença da vontade indica que a pessoa já tem capacidade de raciocinar sobre problemas afetivos sob uma perspetiva coordenada e reversível.
A autonomia de raciocínio consiste em raciocinar de acordo com um conjunto próprio de normas. Durante o estágio pré-operacional as crianças percebem as regras como provenientes de uma autoridade. É a moralidade da obediência ou respeito unilateral. À medida que as crianças se vão tornando capazes de se colocar no ponto de vista do outro, começam a ser capazes de fazer as suas próprias avaliações morais. Começam a fazer avaliações a respeito do que é justo e do que não é justo, o que não significa que as avaliações sejam corretas. O estágio operacional concreto é um período chave para o desenvolvimento contínuo da autonomia afetiva, quando as crianças mudam de uma perspetiva moral baseada no respeito unilateral para uma perspetiva baseada no respeito mútuo.
Com o desenvolvimento da vontade e da autonomia, ocorrem mudanças significativas e claras nos conceitos infantis de regras, acidentes, mentira, justiça e julgamento moral. Se no estágio pré operatório percebem as regras como fixas e permanentes e exigem dos outros uma adesão rígida, por volta dos sete ou oito anos começam a compreender a importância das regras para um jogo correto. A cooperação começa a manifestar-se e as regras deixam de ser vistas como absolutas e imutáveis.
Com o desenvolvimento da capacidade de considerar o ponto de vista do outro as intenções começam a ser compreendidas e consideradas nos juízos morais. A compreensão das intenções não podem ser "ensinadas" a crianças mais novas. De acordo com Piaget, cada criança deve construir este conceito através das interações com os outros. Enquanto não for capaz de compreender o ponto de vista do outro não pode construir o conceito de intencionalidade.
A aquisição da intencionalidade muda o conceito de justiça. A punição severa e arbitrária gradativamente dá lugar a punição por reciprocidade, ou seja, aquela que guarda alguma relação com o comportamento a ser punido. A moral deixa de ser quantitativa e passa a ser qualitativa. A intenção passa a ser mais importante do que o comportamento em si.
Durante o estágio das operações formais que, em média, começa por volta dos onze ou doze anos, uma criança desenvolve o raciocínio e a lógica necessária à solução de todas os tipos de problemas. Após o desenvolvimento das operações formais, as mudanças nas capacidades mentais, no que se refere às estruturas e operações lógicas, passam a ser quantitativas e não mais qualitativas. A qualidade do raciocínio que uma pessoa é capaz de realizar não progride após este estágio, mas o conteúdo e a função da inteligência podem progredir.
O desenvolvimento afetivo durante o estágio das operações formais é caracterizado por dois fatores principais: o desenvolvimento dos sentimentos idealistas e a continuação da formação da personalidade.
A capacidade de raciocinar sobre o hipotético - o futuro - e de refletir sobre o próprio pensamento torna o adolescente invariavelmente idealista. Este idealismo pode ser visto como um idealismo falso ou incompleto, resultado de um raciocínio baseado no uso egocêntrico do pensamento formal. Faz julgamentos com base no raciocínio e suas conclusões são lógicas. Parecem idealistas porque não podem levar em conta a realidade de comportamento humano que nem sempre tem a ver com a lógica. Por exemplo, a sociedade confirma o mandamento "não matarás" apesar de historicamente ter aprovado as guerras.
Durante a formação das operações formais as crianças começam a ter os seus próprios sentimentos ou pontos de vista sobre as pessoas. Estes são sentimentos autónomos cujas raízes se encontram no desenvolvimento da autonomia durante o estágio operacional concreto. De acordo com Piaget os aspetos finais da formação da personalidade não começam a desenvolver–se antes da transição para a vida adulta. À medida que o adolescente inconscientemente procura adaptar-se à sociedade e ao mundo do trabalho, a formação da personalidade vai-se consolidando. A personalidade é o resultado dos esforços individuais autónomos para se adaptar ao mundo social adulto.
No início das operações formais, a maioria das crianças constrói uma compreensão de regras sofisticada. As regras passam a ser vistas como fixadas a qualquer momento por um acordo mútuo. Reconhecem as regras cooperação e participação efetiva.
O conceito de "punição justa" começa a ser construído apenas depois de emergir a compreensão das regras, paralelamente ao aumento da capacidade de ver os pontos de vista dos outros. Por volta dos onze ou doze anos, a reciprocidade permanece a base para os julgamentos sobre castigo, mas agora as crianças consideram as intenções e as circunstâncias atenuantes, ao formular julgamentos, ao que Piaget chamou equidade. A punição não precisa mais ser, do ponto de vista quantitativo igualmente atribuída. Por exemplo as crianças mais novas não podem ser consideradas tão responsáveis como as mais velhas. O julgamento com base na equidade é uma implementação mais efetiva da igualdade.
Portanto é fundamental cuidarmos do aspeto afetivo no processo ensino-aprendizagem. Precisamos compreender que a criança é uma criança diferente cognitiva e afetivamente falando a cada fase do seu desenvolvimento. Querer ensinar regras de comportamento sem proporcionar à criança situações de interação que levem a uma real tomada de consciência é pura perda de tempo, e o que é pior, pode acabar por dificultar a aquisição do pleno desenvolvimento cognitivo e afetivo.


Matilde Espíndola (adaptado)