A realidade social, como aliás, a realidade em geral, é apercebida ("conhecida") por parte dos sujeitos através de "representações"; quer dizer, através de "prismas" que decorrem de contextos socioculturais complexos.
As noções que temos acerca do "mundo" ou seja, da realidade a que é dado sentido, só o fazem porque a linguagem e o pensamento lho atribuem. Assim, quando cada um de nós chegou ao "mundo", este já se encontrava constituído e a nossa "socialização"consistiu (e consiste) numa adaptação progressiva e selectiva a esse "mundo" que continua a estruturar-se durante a nossa existência e para além dela.
Para que tudo faça sentido, tenha significado e nos possibilite orientarmo-nos, precisamos de referências que nos permitam nomear a realidade e agir dentro dela; a essas referências podemos chamar "conceitos", ou seja, "ideias" que permitem representar seres, objectos ou acções e lidar com eles.
Muitas dessas noções são de origem social e constituem o chamado "senso comum" que tem por função tornar possível a comunicação indispensável ao quotidiano. Se entrar num café e pedir uma "bica", sei que me fornecerão uma pequena chávena de uma bebida de café e água obtida através de uma máquina de pressão e temperatura elevadas, técnica e comercialmente designada por "expresso".
Pedir uma "bica" dispensa-nos de pormenores técnicos e científicos e facilita-nos a ingestão tranquila do nosso "café" ou seja, bebida de café, geralmente consumida ao balcão de um estabelecimento também designado por "Café" (modernamente, o mais "abrasucado" - "Cafetaria").
Ora, quando eu era jovem, dizia-se que fazer "vida de café" era não trabalhar ou trabalhar pouco, não estudar ou estudar pouco e sobretudo "dar muito à língua" e "mexericar". Hoje a maior parte das pessoas já não tem tempo para fazer "vida de café", a vida está demasiado rápida e sufocante e os "Cafés" ou se transformaram em agências bancárias ou praticamente eliminaram as mesas e deram lugar aos grandes balcões do "come-em-pé" onde as "bicas" entram a escaldar pela goela abaixo e a conversa é reduzida ao mínimo do "olá, tudo bem" ?
Assim, fazer "vida de café" constituía um "estilo" de vida, um "tipo" de ocupação cuja especialidade era ou parecia ser, a de estar permanentemente desocupado, essa expressão correspondia e de certo modo, ainda corresponde, a um "estereótipo", que designava um tipo de indivíduos que geralmente eram considerados como os que "não faziam nenhum" e claro, que em relação a eles havia preconceitos, os que passavam a "vida nos cafés" ou andavam a "polir esquinas" ou eram "madraços" profissionais ou "chulos" ou coisa assim , boa coisa é que, de certeza, não eram.
No entanto homens como Fernando Pessoa "passaram a vida no café" e hoje ninguém poderá dizer que Pessoa "não fez nenhum", sendo até celebrado como um herói , infelizmente e como de costume, póstumo, da nossa e para utilizar uma expressão sua, "Pátria/Língua"!
Por este e por muitos mais exemplos, se pode verificar que estereótipos e preconceitos se implicam mutuamente, decorrem uns dos outros e alimentam-se em reciprocidade e são enganadoras e abusivas formas de percepção da realidade, que do ponto de vista da vida em sociedade não costumam trazer nada de positivo, antes pelo contrário; constituindo, em regra, mecanismos de exclusão ou discriminação negativa.
Só um posicionamento reflexivo e crítico nos permite evitar esclarecidamente as "armadilhas" e os "alçapões" de uma linguagem estereotipada e de um pensamento preconceituoso que constituem obstáculos sérios à coesão social, absolutamente necessária para a construção da vida em comunidade.