domingo, 27 de novembro de 2011

Teoria do Desenvolvimento Moral (Kohlberg)



A teoria do desenvolvimento moral mais conhecida é a de Kohlberg. Esta teoria, assim como a de Piaget, é universalista. Não afirma a universalidade das normas, mas a das estruturas que permitem a aplicação das normas em contextos precisos e proporcionam critérios para o juízo moral. Acredita que através de um processo maturacional e interativo, todos os seres humanos têm a capacidade de chegar à plena competência moral, medida pelo paradigma da moralidade autónoma, ou, como prefere Kohlberg, pelo da moralidade pós-convencional.
Os seis estágios de Kohlberg podem ser, generalizadamente, agrupados em três níveis de dois estágios cada: pré-convencional, convencional e pós-convencional.
Seguindo as exigências construtivistas de Piaget de um modelo de estágios, como exposto na sua teoria do desenvolvimento cognitivo, é extremamente raro regredir em estágios – perder o uso de capacidades adquiridas em estágios mais elevados. Não se podem saltar estágios, cada um fornece uma nova e necessária perspectiva, mais abrangente e diferenciada dos seus predecessores, mas articulada com eles. Os estágios não avançam em "bloco", podendo a pessoa estar em determinado estágio numa área e noutro estágio em outra área. A sua teoria é dinâmica, e não apenas estática. Potencialmente, todo o indivíduo é capaz de transcender os valores da cultura em que foi socializado, ele não os incorpora apenas passivamente. Com isso, a própria cultura pode ser modificada.

Podemos esquematizar a teoria de Kohlberg da seguinte maneira:

Nível 1 (Pré-Convencional)

1. Orientação "punição/obediência"
(Como posso evitar a punição?)

2. Orientação autointeresse (ou "hedonismo instrumental")
(O que ganho com isso?)

Nível 2 (Convencional)

3. Acordo interpessoal e conformidade
(Normas sociais)
(Orientação "bom moço"/"boa moça")

4. Orientação "manutenção da ordem social e da autoridade"
(Moralidade "Lei e Ordem")

Nível 3 (Pós-Convencional)

5. Orientação "Contrato Social"

6. Princípios éticos universais
(Consciência dos Princípios)

Nível pré-convencional

O nível pré-convencional de argumentação moral é particularmente comum em crianças, embora os adultos também possam manifestar esse nível de argumentação. Neste nível, o juízo da moralidade da ação é feito com base nas suas consequências diretas. O nível pré-convencional consiste apenas no primeiro e segundo estágios de desenvolvimento moral, e está preocupado apenas com o próprio ser de uma maneira egocêntrica. Alguém com uma moral pré-convencional ainda não adotou ou internalizou as convenções da sociedade sobre o que é certo ou errado, mas, em vez disso, foca-se grandemente em consequências externas que certas ações possam ter.

O estágio 1 é o do castigo e obediência. Neste estágio, a moralidade para a criança consiste em observar literalmente as regras, obedecer à autoridade e evitar o castigo. Por exemplo, uma ação é vista como errada apenas porque aquele que a cometeu foi punido. "Da última vez que fiz tal coisa, apanhei, então não a farei de novo". Quanto pior a punição, pior é visto o ato. O ponto de vista é egocêntrico, o ator não distingue entre os seus interesses e os dos outros, que o ponto de vista dos outros pode ser diferente do seu. Há uma deferência para aqueles vistos como de maior poder ou prestígio.

O estágio 2 é aquele em que a pessoa é movida apenas pelos próprios interesses. O comportamento moral consiste em seguir regras quando forem do interesse imediato do actor e em reconhecer que os outros também têm seus próprios interesses, o que pode justificar uma troca entre atores, integrando interesses recíprocos, mas apenas até ao ponto em que isso serve aos interesses do próprio ator. O ponto de vista inclui, portanto, o de outros indivíduos, numa base instrumental, ocorrendo uma certa descentração, embora mínima. O respeito pelos outros não está baseado em lealdade ou respeito mútuo, mas no sentido de "uma mão lava a outra". A falta de perspectiva do estágio 2 também não pode ser confundida com o estágio 5, pois aqui todas as ações têm o propósito de servir os próprios interesses ou necessidades do próprio indivíduo.

Nível convencional

O nível convencional de argumentação moral é típico de adolescentes e adultos. Aqueles que argumentam de uma maneira convencional julgam a moralidade das ações comparando-as com as visões do mundo e expectativas da sociedade. A moralidade convencional é caracterizada por uma aceitação das convenções sociais a respeito do certo e do errado. Nesse nível um indivíduo obedece a regras e segue as normas da sociedade mesmo quando não há consequências pela obediência ou desobediência. A adesão a regras e convenções é de algum modo rígida, entretanto, a adequação da aplicação de uma regra ou a justiça dela é por vezes (poucas) questionada.

O estágio 3 é o das expectativas interpessoais mútuas, e do conformismo, em que o ser entra na sociedade preenchendo papéis sociais (identidade dos papéis). O correto é atender às expectativas das pessoas de referência, ser um "bom moço", no papel de filho, irmão ou amigo, tendo sido ensinado que há um valor inerente a tal comportamento. O ponto de vista inclui as perspectivas dos outros e sentimentos compartilhados, que têm precedência sobre os interesses individuais. A argumentação do estágio 3 pode julgar a moralidade de uma ação valorando as suas consequências em termos dos relacionamentos de uma pessoa, a qual agora começa a incluir coisas como respeito, gratidão e a "regra de ouro" (reciprocidade das acções). O desejo de manter as regras e a autoridade existe apenas manter esses papéis sociais. As intenções das ações desempenham um papel mais significante na argumentação neste estágio; "eles têm boas intenções…".

O estágio 4 é aquele em que a pessoa se move com base na obediência à autoridade e ordem social. O correto é cumprir o seu dever na sociedade, preservar a ordem social, e manter o bem-estar da sociedade ou do grupo. O ponto de vista é o do sistema ou do grupo social como um todo e considera os interesses individuais dentre desse quadro de referência mais amplo. A argumentação moral no estágio quatro está além da necessidade de aprovação individual manifestada no estágio três; a sociedade deve aprender a transcender necessidades individuais. Um ideal (ou ideais) central frequentemente prescreve o que está certo ou errado. Se uma pessoa viola uma lei, talvez todo a gente esteja legitimada a fazê-lo – portanto, há uma obrigação e um dever em manter leis e regras. A maioria dos membros ativos da sociedade permanece no estágio quatro, onde a moralidade é predominantemente ditada por uma força externa.

Nível pós-convencional

O nível pós-convencional, também conhecido como "nível dos Princípios", consiste nos estágios cinco e seis do desenvolvimento moral. Há uma crescente perceção de que os indivíduos são entes autónomos na sociedade e de que a perspectiva do próprio indivíduo pode tomar precedência sobre a visão da sociedade; eles podem desobedecer a regras inconsistentes com os princípios universais. Essas pessoas vivem de acordo com os seus próprios princípios abstratos sobre o certo e o errado – princípios que tipicamente incluem direitos humanos básicos. Devido ao facto desse nível colocar a "natureza do ser antes dos outros", o comportamento de indivíduos pós-convencionais, especialmente daqueles no estágio seis, podem ser confundido com o daqueles no nível pré-convencional. As pessoas que exibem uma moralidade pós-convencional vêem as regras como necessárias e como mecanismos mutáveis – idealmente, as regras podem ajudar a manter a ordem social geral e a proteger os direitos humanos. As regras não são mandamentos absolutos que devam ser obedecidos sem questionamento, podendo ser desobedecidas ou modificadas com base em justificações universais (caso da "desobediência civil" por exemplo).

O estágio 5 é o dos direitos pré-existentes e do contrato social ou utilidade. A visão de mundo de quem está neste estágio é a de que no mundo existem pessoas de diferentes opiniões, direitos e valores. O correto é apoiar os direitos, valores e contratos jurídicos de uma sociedade, mesmo quando estão em conflito com as normas concretas do grupo. As leis são consideradas como contratos sociais em vez de um mandamento rígido. Aquelas que não promovem o bem-estar geral devem ser modificadas quando necessário para adequar-se ao "bem máximo para o maior número de pessoas" (Princípio da Utilidade). Isso é atingido através da decisão da maioria e do comprometimento inevitável. Muitos dos atos de um governo democrático são baseados no estágio cinco.

O estágio 6 é o dos princípios universais éticos. As leis e acordos sociais só são válidos na medida em que derivam de tais princípios. Assim, quando a lei viola esses princípios, é preciso agir de acordo com eles, mesmo contra a lei que for considerada iníqua (não nos podemos esquecer que o "apartheid", a tortura e a escravatura, entre outras barbaridades, já foram lei). Os princípios em questão são os da igualdade dos seres humanos e o respeito pela sua dignidade como indivíduos, considerados como fins e não enquanto meios, como na filosofia de Immanuel Kant. Existe uma capacidade de se pôr no lugar do outro. O ponto de vista é universalista, transcendendo grupos e sociedades particulares, e baseia se numa ética válida para todos, da qual derivam arranjos e instituições concretas. Os direitos escritos formalmente não são necessários para a ética, mas continuam a sê-lo para o direito e para a política, pois os contratos sociais não são essenciais para a ação moral deontológica. O indivíduo age pelo dever, não pela mera conformidade ou simples conveniência, não porque tal ação é instrumental, esperada, legal, ou foi previamente acordada. Para Kohlberg, raras pessoas atingem este estágio.